Conflitos na escola: Um Espelho da Sociedade
Entrevista com Cynthia
Castiel Menda, publicada na edição 444, março de 2014.
Cynthia Castiel Mendapsicóloga
escolar e clínica, mestre em Educação, professora convidada na Faccat e tutora
em EAD na UFRGS, Porto Alegre, RS.
Quanto mais violentas são
nossas relações sociais, mais violentas podem se tornar as relações no interior
das escolas. Nessa lógica, se promovermos a cultura de paz, as relações podem
mudar. Dedicamos nossa entrevista para contribuir com a reflexão sobre a
superação dos conflitos nas escolas. É tarefa de todos nós buscar alternativas
coletivas, novos jeitos de pensar a escola, dividindo responsabilidades entre
professores, pais, alunos e comunidade, sem fechar os olhos para as situações
de conflitos. Sobre isso, ouvimos a psicóloga clínica e escolar Cynthia Castiel
Menda que trabalha na Universidade Federal de Rio Grande (FURG), na
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis.
Quais são as principais
causas de conflitos na escola?
De forma geral, a escola
reproduz a sociedade e, portanto, os conflitos existentes na comunidade dos
estudantes são reproduzidos dentro da escola. Mas todos dizem respeito à
questão do relacionamento interpessoal. É difícil lidar com o outro, entender o
outro, se colocar no lugar do outro se tenho uma educação (familiar e escolar)
voltada para o eu (eu que tenho que me dar bem, eu tenho que ser do melhor que
os outros), em que a competitividade é estimulada e recompensada. A própria
situação social e de motivação dos professores, na maioria das escolas, gera
conflitos entre estudantes e professores porque há um estranhamento das
características de cada um deles e uma dificuldade de superar as barreiras para
uma comunicação eficaz e eficiente. Diria, em resumo, que a escola rompeu o
diálogo e o entendimento com a sua comunidade, por vários fatores externos,
inclusive econômicos, políticos e sociais.
São diferenças não
assimiladas?
De forma específica,
continuamos encontrando na escola os conflitos de classe social e de gênero.
Assim, se um estudante tem muito menos ou muito mais idade do que os outros de
sua sala de aula, ou se o adolescente demonstra uma tendência homoafetiva,
tende a gerar conflitos no seu meio, por exemplo. É necessário estar atento à
questão do estabelecimento de grupos com identidade própria fora da escola, que
em algumas cidades atualmente são chamados de bondes. Porque estes também podem
fomentar conflitos dentro da escola, ou pelas diferenças entre os grupos, ou
pelo desejo de as pessoas entrarem em (ou saírem de) um determinado grupo, o
que não é bem visto. Por último, podemos citar a questão da violência e das
drogas em várias comunidades.
Então os conflitos na
escola espelham os conflitos da sociedade?
Com certeza. Não só
espelham os conflitos, como mostram nossa inabilidade educativa até o presente
momento para a resolução desses conflitos. Pois é uma das funções da escola
fomentar o conhecimento social, a elaboração e o respeito às regras, a educação
para a paz. Estamos nos preocupando muito com os aspectos cognitivos da
formação da pessoa e pouco com os sociais. Temos que lembrar que a escola é uma
das primeiras instituições na qual a criança convive fora da sua família e é
onde deve aprender aspectos positivos dessa convivência e como resolver os
conflitos inerentes a ela. Ao ver, por exemplo, os casos de estudantes
americanos que voltam para suas escolas depois de anos para cometer
assassinatos em função da vivência traumática que tiveram nesta escola, em que
na totalidade dos relatos foram vítimas de violência psicológica e física, é um
alerta inequívoco de que a educação falhou. Aqui no Brasil, quando vemos uma
escola ser destruída pela comunidade onde está inserida, temos a noção do
quanto a educação formal falhou. Quando a escola funciona como palco para o
duelo entre grupos de traficantes de drogas, temos que ter a exata noção de que
falhamos enquanto educadores e que nossa educação precisa mudar para que a
sociedade mude. Os adultos da nossa sociedade são resultados diretos da
educação familiar e escolar. Se a educação familiar falha e a escolar também,
neste aspecto social, não há como ter um futuro com mais esperança.
E os conflitos de
gerações?
A mídia enfatiza muito os
conflitos entre gerações. São professores, direção e/ou pais versus crianças e
adolescentes. Aqui podemos citar as estratégias de controle como causa
principal desses conflitos. Por exemplo, colocar câmeras de vigilância na
escola, porta com detectores de metal e chips para controle de entrada e saída
dos estudantes ou a própria conduta dos adultos frente à falta de limites dos
estudantes. Daí podem surgir tiroteios nas portas da escola, depredação das
estruturas, movimentos reivindicatórios dos estudantes e/ou pais e o abandono
da escola pelos estudantes. Há também os conflitos entre os próprios estudantes.
Estes têm uma conotação de violência psicológica mais frequente do que
violência física. Os casos de bullying têm se tornado quase que uma epidemia
nas escolas brasileiras, independentemente do tipo ou local em que a escola se
encontra. E esses conflitos têm uma consequência mais grave na formação dos
jovens e tendem a continuar repercutindo na vida dessas pessoas por longo tempo
e em vários aspectos da vida, como social, profissional e emocional.
Quais são os papéis da
família, escola, professores e alunos na mediação dos conflitos?
Em primeiro lugar, a
consciência de que todos são escola e que, portanto, se existe um conflito, eu
também faço parte dele e tenho que auxiliar na sua resolução. Infelizmente,
nossa educação até hoje tem privilegiado a fuga dos conflitos, não o seu
enfrentamento. Então ficamos com um monte de conflitos pequenos sem solução que
vão se acumulando até que viram quase insolúveis. Em segundo lugar, é
fundamental estar aberto ao diálogo, ouvir todas as partes que fazem parte do
conflito. Dialogar com imparcialidade e tentar encontrar as estratégias
adequadas para aquele conflito. Não trazer os preconceitos para o conflito,
pois não é porque um estudante costuma iniciar as confusões que ele sempre vai
ser responsabilizado por elas. Naquele dia pode não ter sido ele e, se não
ouvir atentamente, pode-se cometer uma injustiça. As injustiças trazem revolta
e anulam qualquer tentativa de diálogo. Diria que o senso de adequação também é
importante, pois é necessário perceber até que ponto se está envolvido neste
conflito apresentado, diretamente ou indiretamente. Muitas vezes o conflito
aumenta porque um pai que não está diretamente envolvido toma para si o
problema e começa a incitar outros pais, que nem sabem do contexto, a tomar partido.
Assim também pode acontecer com professores ou com estudantes. Portanto o papel
de cada um no conflito não é estanque, nem vitalício; depende do contexto em
que o conflito acontece e quem está envolvido nele. Pode acontecer de num
momento ser mediador, no seguinte ser apaziguador e no seguinte ser um dos
envolvidos no conflito. O que não pode variar é a postura de diálogo, de
imparcialidade e de apoio à resolução do conflito com menos danos possíveis
para as partes envolvidas.
A falta de motivação de alunos
e professores é prejudicial?
A falta de motivação traz
um alerta, pois pessoas que estão numa instituição que não querem estar, por
diferentes motivos, tendem a criar conflitos. Se for necessário passar quatro,
seis ou oito horas num local, o ideal é que ele traga uma satisfação, um ganho
para a pessoa. Se estiver lá obrigado, só vivenciando conflitos em todas as
esferas, estes conflitos se retroalimentam com a minha falta de motivação.
Então, a falta de motivação impossibilita que haja a mediação, pois, se não
quero estar ali e não me importo com o que acontece, por que vou fazer força
para mudar algo?
O conflito é algo
necessariamente negativo?
O conflito, por definição,
não é negativo; ele é da natureza humana. Somos diferentes e em contato com o outro
mostramos estas diferenças. Mas na convivência social estabelecemos regras para
equilibrar essas diferenças. O conflito é a sinalização da falta da regra nesse
quesito específico, ou que a regra acordada não funciona mais e precisa de uma
nova combinação. Então, o conflito é apenas uma divergência, natural, que
precisa acontecer na convivência entre diferentes para que haja uma cultura de
paz. Se o conflito for tratado dessa forma, em todos os níveis, seja conflito
de ideias, de comportamentos, de classes sociais, se ensinamos, desde a
Educação Infantil, que os conflitos têm solução e que é necessário empatia
(colocar-se no lugar do outro) para resolvê-los, todo conflito passa a ser
visto como positivo, como uma possibilidade de viver melhor com o outro,
respeitando suas diferenças.
Estratégias para superar
conflitos
É importante a escola
buscar suas próprias ações e projetos, de acordo com sua realidade. Mas podemos
sugerir alguns exemplos.
Pode-se começar
fortalecendo o vínculo entre a comunidade e a escola. Quando os pais entendem e
se comprometem com a filosofia da escola, fica mais fácil construir as regras
de convivência e estabelecer limites e sanções para os estudantes. Uma das
ações nesse sentido é a Escola de Pais, que promove encontros mensais ou
bimestrais, trazendo assuntos de educação que interessem aos pais e propiciando
que eles conversem sobre suas dificuldades com os filhos e troquem soluções
possíveis, com a mediação de um profissional. Importante também é abrir a
escola para a comunidade, inclusive nos fins de semana, proporcionando espaços
de lazer e convivência, pois muitas comunidades não possuem outro espaço
disponível.
Em relação aos professores
e à equipe diretiva, capacitá-los para a mediação de conflitos. Existem cursos
que ensinam como fazer e desenvolver a potencialidade como mediador. Acredito,
como educadora, que todos os professores devem ser mediadores natos, pois lidam
diretamente com o conflito nas salas de aulas desde o berçário. Os conflitos
mudam em intensidade e consequência, mas sempre precisam da mediação do
educador, e muitas vezes ele não está preparado para essa atividade.
Quanto aos estudantes, o
principal é ter regras claras e objetivas que precisam ser seguidas por todos
da instituição e que sejam lidas e discutidas com os estudantes, assim como o
hábito, desde a Educação Infantil, de construir as regras do grupo ou o
contrato pedagógico no início do ano. Ao lidar com um conflito entre
estudantes, ser aberto ao diálogo e deixar de lado os preconceitos. Algumas escolas
optam por tornar seus estudantes, principalmente adolescentes, também
mediadores, oportunizando cursos de mediação.
As assembleias de
estudantes e os conselhos de classe também podem ser instrumentos utilizados
para este fim, abrindo espaço para a discussão de casos de conflitos e tentando
a resolução com a escuta das diversas partes envolvidas.
Receita pronta,
infelizmente, não existe. Cada instituição tem que encontrar o que melhor se
adéqua para sua realidade. Mas é fundamental fazer algo, começar de alguma
forma a repensar a educação, principalmente no seu aspecto social, para
alcançar uma cultura de educação para a paz e ter na escola um espaço saudável
de discussão de ideias e de respeito às diferenças.
Bibliografia: cyncamen@terra.com.br
De: Michelly Rodrigues
Santana