quarta-feira, 16 de março de 2016

FORMAÇÃO DE PROFESSORES - PAULO FREIRE

Formação de Professores


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 146 p. (Coleção Leitura)







Apesar de Paulo Freire ser mundialmente reconhecido por seu livro Pedagogia do Oprimido, vamos discutir nesse encontro o título do seu último livro, a Pedagogia da Autonomia, de 1996, pois nessa obra o educador ratifica sua ideia-força: somente a transformação nas relações de poder entre quem “ensina” e quem “aprende” possibilitará um diálogo autêntico, uma relação interativa. O fio condutor dos três capítulos do livro é o processo de formação do educador democrático, cujo objetivo, final, é a conquista de sua independência, como também a do aluno

A formação de professores é extremamente importante para que se tenham subsídios que favoreçam a prática educativa em benefício à autonomia do ser dos alunos. Para que isso ocorra, há saberes fundamentais que o docente precisa ter conhecimento, para poder assim, usá-los em sua prática escolar.
O ser humano é histórico e inacabado sendo assim, ele está pronto a aprender. No caso dos professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente.



Não há docência sem discência
Freire (1996, p. 22) afirma que o formando da área de educação, tem que se convencer definitivamente  desde o início de sua formação de que “ensinar  não é transferir conhecimento, mas  criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. É neste sentido, que não há docência (docente - professor) sem discência (discente - aluno) e nem ensinar inexiste sem aprender e vice versa. Pois, as duas se explicam e seus sujeitos o que aprende e o que ensina apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Dessa forma, deixa claro que o ensino não depende exclusivamente do professor, assim como aprendizagem não é algo apenas de aluno.
1.1 rigorosidade metódica
A rigorosidade metódica está relacionada à tarefa do educador dirigida para reforçar a capacidade crítica dos educandos. Aproximar-se do objeto do conhecimento com rigorosidade metódica, equivale a não aceitar passivamente o que lhe é informado, mas ter uma atitude crítica, questionadora diante do mesmo. Cabe ao educador não só ensinar os conteúdos, mas também ensinar seu aluno a pensar certo, o que segundo Paulo Freire, é exatamente não estar demasiado certo de nossas certezas, é perceber que nosso conhecimento é histórico e pode ser superado e modificado a qualquer hora.

1.2 pesquisa
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Freire aponta a importância do professor ao longo de sua formação permanente, o dever de indagar, buscar e pesquisar continuamente e não o pesquisar do professor ser uma qualidade, uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar.
Já o estímulo do ato de pesquisar do professor para o aluno, deve contar com o respeito ao seu senso comum no processo de sua necessária superação quanto a sua capacidade criadora.

1.3 respeito aos saberes dos educandos
O aluno ao adentrar na escola, tem que ter respeitado seus saberes socialmente construídos na prática comunitária e o professor tem que discutir com eles a razão de ser, de alguns desses saberes já apreendidos, em relação ao ensino dos conteúdos escolares. O professor aproveita assim a experiência obtida de seus alunos fora da escola.

1.4 criticidade
Não há criatividade sem curiosidade. Para Freire, não se dá automaticamente a promoção da ingenuidade para a criticidade. Curiosidade ingênua que vem do saber da pura experiência feito não se diferencia da curiosidade epistemológica. A superação da primeira para a segunda se dá quando continua a ser curiosidade se criticiza.

1.5 estética e ética
A prática educativa tem der ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Tomemos cuidado com os desvios fáceis com que somos tentados.
Fizemo-nos seres éticos porque tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper. O ensino de conteúdos não pode ser alheio à formação moral do educando, pois educar como exercício educativo constitui-se em formar e não em treinamento técnico.

1.6 corporeificação das palavras pelo exemplo
De pouco ou quase nada valem à falta as palavras de corporeidade de exemplos. Pensar certo é fazer certo. A postura do professor é importante para o aluno, precisa ter segurança na argumentação tendo uma prática testemunhal que re diz em lugar de desdizê-lo.

1.7 risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação
É próprio do pensar certo, a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas cronológico.
A prática preconceituosa de raça, classe e de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.
A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado.


1.8 reflexão crítica sobre a prática

Não é a partir do pensar certo, como um dado, que se conforma a prática docente crítica, mas sabe também que sem ela não se funda aquela. Por isso, é fundamental que na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.

1.9 reconhecimento e assunção da identidade cultural
O professor tem que propiciar condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social, histórico, pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto


Ensinar não é transferir conhecimento
Ensinar é dar oportunidade ao educando de desenvolver suas capacidades. É criar espaço para pesquisa, aprendendo a aprender, tornando assim, educador e educando parceiros na construção da aprendizagem.
Ensinar é ter esperança, tolerância, alegria e respeito mútuo entre educador e educando. A aprendizagem é construída ao longo de uma caminhada que não terá fim, a cada dia o indivíduo aprende um com o outro.

2.1 consciência do inacabamento
O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital, onde há vida, há inacabamento. A diferença entre um ser inacabado e o ser determinado é que o primeiro muito embora seja condicionado, tem consciência do inacabamento. O ser inacabado sabe que a passagem pelo mundo não é pré-determinada, pré-estabelecida, e o seu “destino” não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de sua própria responsabilidade.

2.2 reconhecimento de ser condicionado
Somos seres condicionados, mas conscientes do inacabamento, e, por isso, sabemos que podemos ir além dele. Nossa presença no mundo não é a de quem nele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História. Assim como as barreiras são difíceis para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sabemos também que os obstáculos não se eternizam. 

2.3 respeito à autonomia do ser educando
O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.  O professor que desrespeita a curiosidade do educando, seu gosto estético, sua inquietude, a sua linguagem,  e que o ironiza, que se isenta do cumprimento de seu dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.

2.4 bom senso
O professor necessita ter esse saber porque ele tem uma importância enorme na avaliação que, a todo instante, devo fazer de minha prática.
Autoridade não pode ser entendida como autoritarismo. O professor tem que entender, em certas ocasiões, pontos falhos do aluno. Ao invés de reprimi-lo, tem que ajudá-lo, com humildade e tolerância. O exercício do bom senso, com o qual só temos o que ganhar, se faz no corpo da curiosidade. Neste sentido, quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso.

2.5 humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores
 A luta dos educadores em defesa de seus direitos como o de salário mais digno deve ser vista como um dever irrecusável e uma busca pela dignidade. O professor deve cultivar a humildade e a tolerância ao respeitar à pessoa do educando, à sua curiosidade e à sua timidez. O educador precisa aprender a conviver com o diferente, a desenvolver a amorosidade aos educandos com que ele se compromete e ao próprio processo formador do qual faz parte. O desgostar pela educação não me dá o direito de exercê-la mal e sim, a humildade de até mesmo abandoná-la.

2.6 apreensão da realidade
O mínimo que se espera de um professor é uma formação básica (na sua especialidade) e saberes ligados à atividade docente, que lhe permita se mover com clareza e segurança no desempenho de sua prática. Por outro lado, a nossa capacidade de aprender, da qual decorre a de ensinar, implica a nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto ou conteúdo aprendido, ou seja, nos possibilita construir, reconstruir, constatar para mudar, em contraposição à memorização mecânica do objeto ou conteúdo, tão presente nas escolas e que não caracteriza aprendizado verdadeiro.

2.7 alegria e esperança
O envolvimento de qualquer professor com sua prática educativa não deve nunca deixar de ser feito com alegria e, sobretudo, com esperança. A esperança de que juntos, professor e alunos, podem aprender, ensinar, inquietar-se, produzir e resistir aos obstáculos da alegria.
Por isso, precisa ser combatido efetivamente as razões objetivas que causam desesperanças às pessoas. A realidade não é inexoravelmente esta que nos encontramos; está sendo esta, como poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos lutar. Precisamos, pois, sair da passividade – que fazer? A realidade é assim mesmo – uma vez que o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema, uma possibilidade e, portanto, não podemos nem devemos nos eximir da luta.

2.8 convicção de que a mudança é possível
Decerto a existência humana não se dá no domínio da determinação, pois se assim fosse, não faria sentido se falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra, constatando apenas. A acomodação do ser humano deve ser somente caminho para a sua inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade.
Com efeito, nós educadores, precisamos acreditar que a mudança é difícil, mas é possível, que é preciso mudar, que devemos, para tanto, programar nossa ação político-pedagógica, a partir da leitura de mundo que precede sempre a leitura da palavra que os educandos fazem de seu contexto imediato, respeitando seus saberes já adquiridos.

2.9 curiosidade
Como professor, devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, não aprendo nem ensino. É ela que faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer. O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser. Satisfeita uma curiosidade, a capacidade de inquietar-me e buscar continua em pé. Não haveria existência humana sem a abertura de nosso ser ao mundo, sem a transitividade de nossa consciência.


Ensinar é uma especificidade humana
Para que o professor tenha autoridade, competência e liberdade na condução de suas aulas são necessário segurança, conhecimento e generosidade. Só assim, nascerá um clima de respeito mútuo e disciplina saudável entre a autoridade docente e as liberdades dos alunos. Homens e mulheres são seres programados para aprender.

3.1 segurança, competência profissional e generosidade
A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.  A generosidade é indispensável à autoridade em suas relações com as liberdades dos educandos.

3.2 comprometimento
Ensinar exige comprometimento, sendo necessário que se aproxime cada vez mais os discursos das ações, pois afinal, o professor é o exemplo para os alunos. O docente deve querer bem aos alunos, e isso significa ter uma aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo. Ele pode dizer não sabe para algum questionamento do aluno, mas precisará buscar a resposta, pois não poderá afirmar seguidamente que não sabe. Sendo professor, é necessário conhecer o que ocorre no espaço escolar e estar ciente de que a sua presença não passa despercebida pelos alunos.

3.3 compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo
O conhecimento que o professor deve passar ao aluno, não dever ser usado, apenas para que o aluno adquira o saber reproduzido pela ideologia dominante, mas muitas das vezes, este conhecimento deve levar o aluno a assumir opiniões contraditórias a essas ideologias e que o mesmo tome uma posição. O que a educação jamais pode assumir, é o papel da neutralidade, pois ela pode implicar tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.

3.4 liberdade e autoridade
O educador tem um grande problema quando se trata de liberdade, pois ela está ligada a necessidade do limite e de exercício de decisões. Segundo Freire, é decidindo que se aprende a decidir e faz parte do aprendizado da decisão, a assunção das consequências do ato de decidir. Sendo assim, ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. O individuo vai conquistando sua autonomia diariamente, não sendo conquistada de um dia para o outro.  
A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.  É neste sentido, que o professor ao trabalhar com uma pedagogia da autonomia centra seu trabalho em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, experiências estas respeitosas da liberdade.

3.5 tomada consciente de decisões
Esse saber necessário à prática educativa acaba por voltar na questão central do texto, de que a educação é uma especificidade humana e um ato de intervenção no mundo.
Para Freire, quem não toma decisões por si mesmo, acaba tomando uma atitude de neutralidade escondendo assim, sua opção ou até mesmo tendo medo de acusar a injustiça.

3.6 saber escutar
Ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transmitido no discurso do professor. Um educador não deve falar para o educando, mas sim com ele, e isso só é possível quando o educador sabe escutar. Porém, a escuta não deve ser passiva, onde o escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala, isto seria auto anulação e não escuta. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar ativamente.


3.7 reconhecer que a educação é ideológica
Ensinar exige também, reconhecer que a educação é ideológica, e para isso, os professores precisam ser críticos diante dos acontecimentos. No fundo, a ideologia tem um poder de persuasão indiscutível. O discurso ideológico nos ameaça de anestesiar a mente, de confundir, das coisas, dos acontecimentos. Não podemos escutar, sem um mínimo de reação crítica, discursos como este: "Maria é negra, mas é bondosa e competente.”.

3.8 disponibilidade para o diálogo
Como professor não devo poupar oportunidade para testemunhar aos alunos a segurança com que me comporto ao discutir um tema, ao analisar um fato, ao expor minha posição em face de uma decisão governamental. Minha segurança não repousa na falsa suposição de que sei tudo, de que sou o maior. Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei, conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer.

3.9 querer bem aos educandos
O docente precisa estar aberto ao gosto de quer bem aos educandos e à própria prática educativa que participa. Não é um querer bem que obriga a gostar igualmente de todos os alunos, mas não ter medo de expressar sua afetividade.  Afetividade esta que não deve interferir no cumprimento ético de seu dever de professor no exercício de sua autoridade.  A prática educativa vivida com afetividade e alegria não prescinde a da formação científica, pois ela é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou lamentavelmente, da permanência do hoje.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

IMAGENS