“Desvelando caminhos por um Brasil literário:
ontem, hoje e sempre”
1º Passo:
MUITAS HISTÓRIAS PARA CONTAR!
Equipe de Leitura – SME/ Duque de Caxias
Abril 2012
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
Para início de conversa...
“O diálogo pertence à natureza do ser humano enquanto ser de comunicação.
O diálogo sela o ato de aprender, que nunca é individual,
embora tenha uma dimensão individual”
Paulo Freire, in Medo e Ousadia
Caro Dinamizador,
Nossa função é a que
melhor permite encontros dialógicos na escola. Nossas aulas, conduzidas pela
Literatura, nos permitem provocar e experimentar espantos, dúvidas, sentires
dos mais variados. Somos levados por caminhos imprevisíveis após cada leitura,
em cada turma e turnos diferentes. Estamos para além do que convencionamos
chamar regência de turma porque também somos regidos pela leitura do outro,
neste caso, nosso aluno. É uma ação que nos aproxima bastante do fazer
filosófico (se tivermos, aliás, a intenção, nossas aulas podem se transformar
em experiências filosóficas).
Outra característica
relevante é o fato de não avaliarmos – convencionalmente - nossos alunos. Estar
junto ao educando sem a lente professoral, que muitas vezes mais nos faz exigir
que exaltar, nos permite perceber avanços significativos em nossos grupos de
atendimento, e em nós mesmos, em nosso trabalho cotidiano.
Com o passar do tempo,
perdemos a cerimônia com a Literatura e vamos ousando ao ponto de sermos aplaudidos
por nossos alunos, como artistas, ou esperados por eles como parente querido,
que lhes conta histórias ao pé da cama.
No entanto, mesmo no auge
de nossa ousadia, temos medos: de errar na escolha da obra; de construir
propostas para além ou aquém da faixa etária que atendemos; medo de falhar...
Mas nós não podemos
esquecer de que medo e ousadia caminham juntos, ao lado do professor inquieto,
preocupado em oferecer sempre o melhor de si. E, de algum modo, são sentimentos
que nos impulsionam a pesquisar, repensar, crescer.
Foi pensando nisso e nos
pedidos que alguns colegas nos têm feito que elaboramos e vamos dinamizar na
formação de hoje, oficinas segmentadas – Educação Infantil, Fundamental I e
Fundamental II - e compilamos nesta apostila, além dos textos e sugestões de
atividades, a pauta destas oficinas (já que não seria possível que todos
vivenciassem cada uma delas).
Sabemos que muitos poderão
pensar, após a leitura deste material, que as propostas e/ou textos
apresentados podem ser facilmente aplicados em segmentos diferentes, o que
estará absolutamente correto. Afinal, com o tempo vamos percebendo que a
Literatura não é fragmentada. A organização em “para 6 anos, para 7 anos”, e
assim sucessivamente é uma marca utilizada pelo comercio livreiro, não para
nós, professores mediadores de leitura!
Então, fiquem à vontade:
adicionem ou subtraiam ideias, misturem a gosto e ofereçam aos seus alunos com
prazer, como sobremesa muito esperada. Produzam novas possibilidades através de
suas vivências e diálogos com alunos, professores, colegas, outros leitores,
enfim, criem!
A apostila e as oficinas
são tentativas de construir nosso livro falado, como propôs Paulo Freire, na
obra citada no início da nossa conversa.
Esperamos atingir o
objetivo.
Caso contrário, estaremos
como sempre estamos, à disposição de vocês na SME, através de nosso email, e,
em breve, em nosso blog, para pensarmos e repensarmos ações mais eficazes,
consistentes e prazerosas. Construídas através do diálogo.
Bem vindos a primeira
formação 2012. Este primeiro passo cheio de muitas, MUITAS HISTÓRIAS PARA
CONTAR... E escrever!
Hellenice Ferreira
Abril de 2012
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
CONTO POPULAR
É o relato produzido pelo
povo e transmitido por linguagem oral. É o conto folclórico, a estória, o causo
como diz o caipira paulista, e que ocorre no contexto do maravilhoso e até do
sobrenatural. É a estória de Trancoso, conto de fadas, da carochinha, etc., de
importância capital como expressão de psicologia coletiva no quadro de
literatura oral de um país. As várias modalidades do conto, os processos de
transmissão, adaptação, narração, o nível intelectual do auditório, sua
recepção, reação e projeção determinam valor supremo como um dos mais
expressivos índices intelectuais populares. O conto ainda documenta a
sobrevivência, o registro de usos, costumes, fórmulas jurídicas, esquecidas,
mortas. A moral de uma época distanciada continua imóvel no conto que ouvimos
nos nossos dias. A novelística, que se tornou uma das mais apaixonantes
atividades de pesquisa cultural no século XIX, consagrou o conto popular,
transmitido oralmente. A Maria Borralheira, Cinderela, está em todos os idiomas
e terras, mas raramente num bloco compacto, com os episódios que julgamos
constituir a verdadeira história. Está nos elementos que se combinam, tecendo
variantes, tidas como originárias da própria terra onde são ouvidas. Depois da
reunião de uma massa abundante de contos, ouvidos nos países mais longínquos e
pelas vozes felizes do povo, fixados sem deformação letrada e sem falso
preconceito estético de aformoseamento, surgiu a necessidade da sistemática, o
imperativo da classificação simplificadora para o estudo final comparativo. As
pesquisas esclareceram que os contos populares, nas áreas estudadas do mundo,
não são incontáveis nem demasiado complexos. Partem de temas primitivos e
obedecem a uma seriação articulada de elementos, de soluções psicológicas, uso
de objeto, encontro de obstáculos, comuns e semelhantes. Talvez existam 10 mil
motivos fundamentais (Aurélio N. Espinosa) e a literatura oral dos contos
tradicionais reduz a uma combinação desses motivos entre si. A variedade dos
fios formadores dá a ilusão do inesgotável na imaginação popular. A variedade
está limitada aos processos de articulação, de engrenagem psicológica, de um
episódio no outro, através de raças, idiomas e séculos. Umas das estórias mais
antigas que conhecemos, a dos irmãos Anepu e Batau, terá seus 3.200 anos e o
papiro está no Museu Britânico. Em contos populares do Brasil e de Portugal,
são encontrados elementos temáticos do episódio dos Dois irmãos. O sacrifício
do boi para que a mulher como o fígado reaparece em duas versões brasileiras,
“Querino, Vaqueiro do Rei” (Rio Grande do Norte) e o “Boi Leição”, de Alagoas,
publicadas no Contos Tradicionais do Brasil. Mais tarde o fígado é substituído
pela língua do boi, como acontece nos folguedos do Bumba-meu-boi, do Maranhão,
ou dos Bumbás, de outros estados brasileiros.
De todas as classificações sugeridas e adotadas por estudiosos estrangeiros e brasileiros optou-se por reunir os contos populares em grupos primários simples, segundo os temas a que estão ligados.
- Contos de Encantamento: correspondem aos contos de fadas, estórias da carochinha, caracterizados pelo elemento sobrenatural, miraculoso, maravilhoso. Exemplos: O papagaio real; A princesa Serpente.
- Contos de Exemplo: são contos de fundo moral, havendo sempre a intenção educativa. Exemplos: Quirino, o vaqueiro do Rei, As três velhas.
- Contos de Animais: fábulas tendo o animal como personagem principal. Exemplos: O sapo e o coelho; o macaco e a negrinha de cera.
- Contos Religiosos: caracterizam-se pela presença ou interferência divina. Exemplos: A ovelha que salvou o menino Jesus; A moça e a Vela.
- Contos Etiológicos: explicam a origem do objeto, seja animal, vegetal ou mineral. Exemplos: solha (Solea brasiliensis), peixe ósseo, chato, assimétrico, que vive em fundo arenoso. Ficou com a boca torta por ter zombado de Nossa Senhora, imitando-lhe a voz; A princesa adivinhona. Ver Sílvio Romero, Contos Populares do Brasil; Luís da Câmara Cascudo, Trinta Estórias Brasileiras, Porto, 1955; Contos Tradicionais do Brasil, Bahia, 1955.
Texto extraído do livro “Dicionário do folclore brasileiro”,
de Luís da Câmara Cascudo, Editora Global
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OFICINA: GOSTOSURAS E BOBICES
ANA MARIA OLIVEIRA E VERA LUCIA SANTOS
Estamos iniciando
nossa caminhada por um Brasil literário. Neste primeiro passo estaremos,
juntamente com nossas crianças, desvelando a cultura popular brasileira.
Sendo assim, nesta
oficina passearemos por diferentes manifestações folclóricas: Enfrentaremos um
rei descrente do poder superior juntamente com o pescador do conto popular
‘Viva Deus e ninguém mais’, responderemos adivinhas, seremos desafiados por
trava-línguas, conheceremos frases feitas, refletiremos sobre ditados populares
e nos divertiremos muito com parlendas e brinquedos cantados!
Nosso objetivo é
proporcionar aos dinamizadores de leitura a vivência destas manifestações
folclóricas, visando capacitá-los como multiplicadores destas tradições nas
instituições de Educação Infantil, já que o ritmo da vida moderna muitas vezes
afasta nossas crianças da ludicidade presente em nosso folclore. Para tal,
focamos nossa pesquisa nas obras de Luís da Câmara Cascudo, Ricardo Azevedo e
Bia Bedran.
Desejamos que você
descubra, como Câmara Cascudo que “O folclore ensina a conhecer o espírito, o
trabalho, a tendência, o instinto, tudo quanto de habitual existe no homem. Ao
lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas
paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular”. Segue em
anexo os textos utilizados durante esta oficina, que eles enriqueçam ainda mais
os momentos de Sala de Leitura.
DESENVOLVIMENTO:
1º MOMENTO: Caixa surpresa
(Esta caixa contém
elementos relacionados ao conto popular ‘O pescador, o anel e o rei’ e, será
utilizada como ponto de partida para que este conto seja narrado).
2º MOMENTO: Baú da Cultura
popular
Dividir os
componentes da oficina em seis grupos. Cada grupo retira um envelope do baú,
contendo diferentes textos relacionados à cultura popular e uma proposta de
atividade para ser realizada pelo grupo:
Adivinhas: Tendo como referência as adivinhas contidas no baú, buscar no baú da
memória adivinhas para propor aos outros grupos.
Frases
feitas: Escolher uma das frases feitas lidas para apresentar aos demais grupos
por meio de gestos.
Ditados
populares: Ilustrar um dos ditados populares contidos no baú.
Trava-língua: Escolher um dos trava-línguas contido no baú para desafiar os
demais grupos a recitá-lo.
Parlendas: Brincar com as parlendas contidas no baú, e escolher uma delas para
ser apresentada aos demais grupos.
Acalantos: A partir
do acalanto ‘Xô papão’ construir coletivamente a figura do Bicho-papão.
Os componentes dos
grupos retornam a formação inicial para participar do Brinquedo Cantado ‘Eu era
assim’ (Versão de Bia Bedran)
3º MOMENTO:
Distribuição das
lembranças da oficina
Entrega dos envelopes
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
O PESCADOR, O ANEL E O REI
Era uma vez um velho pescador que vivia cantando:
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
Mesmo quando sua
pesca não era boa, ele cantava com muita fé e alegria a sua cantiga.
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
Um dia, o rei daquele
lugar soube da existência do pescador e quis que ele fosse à sua presença, por
não admitir que Deus podia mais que tudo no mundo...
Esse rei era tão
poderoso e orgulhoso, que achava que podia até mais que o próprio Deus!
E lá foi o pescador,
subindo as escadas de tapete vermelho do palácio, cantando:
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
Diante do rei, o
pescador não mostrou medo algum, e ainda reafirmou sua fé, cantando a mesma cantiga.
Então o rei disse:
- Vamos ver se Deus
pode mais que eu, pescador! Eis aqui o meu anel. Vou entregá-lo aos seus
cuidados! Se, dentro de quinze dias, você me devolver o anel, intacto, você
ganhará um enorme tesouro e não precisará mais trabalhar para viver. Porém, se
no décimo quinto dia você não voltar com o anel, mando cortar a sua cabeça!
Agora vá embora...
O pescador foi embora
e, quando chegou em casa, entregou o anel para a mulher que prometeu guardá-lo
a sete chaves.
Deixe estar que isso
não passava de um plano do rei, que logo mandou um criado, disfarçado de
mercador, bater na casa do pescador, quando este já havia saído para pescar.
- Ô de casa!
A velha senhora abriu a porta.
- Minha senhora, sou
mercador. Vendo e compro anéis. A senhora não teria, aí pelas gavetas, um
anelzinho para me vender? Pago bem!
E mostrou muito dinheiro.
- Não tenho não,
Senhor. Aqui é casa de pobre. Não tem anel nenhum não.
Mas a velha ficou
surpresa com tanto dinheiro que o homem mostrava. Acabou caindo na tentação e
vendeu o anel!
Quando o pescador voltou cantando:
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém
nada faz.'
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
...Soube do que havia acontecido e ficou desesperado.
- Mulher! Você não vendeu o anel não; você vendeu a minha
cabeça!
E foram correndo
procurar o mercador pela floresta, pela estrada, pela praia, pela aldeia e
nada...
Claro! A essa altura,
o criado disfarçado de mercador já estava longe e havia jogado o anel em
alto-mar, a mando do rei, para que nunca mais ninguém pudesse encontrá-lo.
E o tempo foi passando...
Décimo dia...
O pescador, triste, continuava cantando:
(mais lento)
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
Até que, no penúltimo dia, o pescador chamou a mulher e
disse:
- Mulher, eu vou
morrer... Amanhã, minha cabeça vai rolar. Vamos nos despedir, com uma última
refeição. Farei uma boa pescaria.
E lá se foi o
pescador, tristemente, cantando sem parar sua cantiga.
Pescou cinquenta
peixes, quarenta e nove ele vendeu no mercado, e um levou para a mulher
preparar.
Ela caprichou no
tempero e fez, no fogão de lenha, aquele peixe que seria sua última ceia junto
com o marido depois de tantos anos.
Mastiga daqui, chora
dali, pensa de lá, e de repente... Engasga-se.
- O que é isso?
Mulher! (Cospe o anel.) Eu não disse que Deus pode mais que todo mundo?
(bem animado)
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
O pescador limpou o
anel e correu em direção ao palácio. Subiu as escadas de tapete vermelho
cantando, fez uma referência para o rei, que perguntou todo poderoso:
- E então, pescador? Onde está o meu anel?
E o pescador, vitorioso:
- Está aqui, meu rei!
O rei ficou
boquiaberto! Não conseguia acreditar... Teve de entregar o tesouro para o
pescador. E até o rei teve que cantar:
Viva Deus e ninguém
mais.
Quando Deus não quer,
ninguém nada faz.
Conto
popular adaptado por Bia Bedran.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
ADIVINHAS
O que é, o que é...
Coisa
tão curiosa
Causa
espanto em tanta gente
Por
trás tão curto rabinho
E
tromba tão grande na frente?
Resposta:
Elefante
__ _ __
_ __ _ __ _ __ _ __
Na água
nasce,
Na água
cresce,
Se
botar na água
Desaparece?
Resposta: Sal
|
Que
está na sua frente, mas você não vê?
Resposta:
Nariz
__ _ __
_ __ _ __ _ __ _ __ _ __ _ __ _ __
Que
quanto mais se perde, mais se tem?
Resposta:
Sono
__ _ __
_ __ _ __ _ __ _ __ _ __ _ __ _ __
Que é
meu, mas os meus amigos usam mais do que eu?
Resposta:
Meu nome
|
PARLENDAS
Um,
dois, feijão com arroz
Três,
quatro, feijão no prato
Cinco,
seis, no fim do mês
Sete,
oito, comer biscoito
Nove,
dez, comer pastéis.
Um
homem bateu em minha porta,
e eu
abri.
Senhoras
e senhores
Ponham
a mão no chão.
Senhoras
e senhores
Pulem
num pé só.
Senhoras
e senhores
Dê uma
rodadinha
e vá
pro olho da rua!!!
Tum tum
Quem é?
Sou eu.
Pode
entrar.
Olá!
Olá!
Smac!
Smac!
|
Fui no
cemitério,
Tério
Tério
Tério
Era
meia-noite,
Noite
Noite
Noite
Tinha
uma caveira,
Veira
Veira
Veira
Ela era
bonita,
Nita
Nita
Nita
Pirulito
que bate bate,
Pirulito
que já bateu,
Quem
gosta de mim é ela,
Quem
gosta dela sou eu.
|
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
FRASE FEITA
DAR UMA MÃO.
Significa ajudar alguém, fazer um favor a outra pessoa.
CONVERSA MOLE PRA BOI DORMIR.
É aquela conversa chata que não acaba mais, que dá
sono e ninguém aguenta escutar. Ou então é quando uma pessoa está mentindo,
querendo enganar, enrolar a gente.
BICHO-DE-SETE-CABEÇAS
Quer dizer um problema muito complicado.
DAR UM RISO AMARELO
Quer dizer ficar encabulado, sem graça.
PINTAR O SETE.
Quer dizer fazer muita bagunça.
DITADO POPULAR
☺ Duas cabeças pensam melhor do que uma.
☺ Em terra de cego quem tem olho é rei.
☺ Mais há quem suje a casa que quem a varra.
☺ Por fora, bela viola. Por dentro, pão
bolorento.
☺ Roupa suja se lava em casa.
TRAVA-LÍNGUA ACALANTO
Três dragões graduados
e trinta trincos trincados.
Cacá quer caqui.
Que caqui Cacá quer?
Cacá quer qualquer caqui.
Se a aranha arranha a rã,
Se a rã arranha a aranha,
Como arranha a aranha a rã?
Como a rã arranha a aranha?
Assei chuchu num tacho sujo.
O rato roeu a roupa do rei de
Roma.
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Xô papão
Xô papão, de cima do telhado
Deixa esse menino
Dormir sono sossegado
Minha mãe
Mandou-me à feira
Comprar um vintém de pão
É de noite, está escuro
Tenho medo do papão
Canção
recolhida em 1890, por Esther Pedreira de Cerqueira no interior da Bahia. O
“papão”, assim como o “tutu”, é um ser que não tem forma. Garcia Lorca dizia
que eles são abstrações poéticas que possibilitam à criança projetar neles
seus medos mais comuns.
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EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
BRINQUEDO CANTADO
EU ERA ASSIM...
Quando eu era neném, neném, neném,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era menina, menina, menina,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era mocinha, mocinha,
mocinha,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era casada, casada, casada,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era mamãe, mamãe, mamãe,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era vovó, vovó, vovó,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era caduca, caduca, caduca,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era caveira, caveira,
caveira,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era neném, neném, neném,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era menino, menino, menino,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era mocinho, mocinho,
mocinho,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era casado, casado, casado,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era papai, papai, papai,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era vovô, vovô, vovô,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era caduco, caduco, caduco,
Eu era assim... Eu era assim
Quando eu era caveira, caveira,
caveira,
Eu era assim... Eu era assim
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
MATERIAIS UTILIZADOS COMO FONTE DE
PESQUISA PARA ELABORAÇÃO DESTA OFICINA:
LIVROS:
Acalantos
Ilustrado por Ziraldo
Textos de José Mauro
Brant
Linha infantil
Proderm EMC Marketing Cultural
(acompanha CD com
acalantos interpretados por Bia Bedran)
Armazém do folclore
Ricardo Azevedo
Editora Ática
Contos tradicionais
do Brasil
Luís da Câmara
Cascudo
Ediouro
Dicionário do
folclore
Luís da Câmara
Cascudo
Global
Meu livro de folclore
Ricardo Azevedo
Editora Ática
O pescador, o anel e
o rei
Bia Bedran
Editora Lê
Quem canta seus males
espanta
Caramelo
CDs:
Acalantos
Intérprete: Bia
Bedran
Linha infantil
Proderm EMC Marketing Cultural
Brinquedos cantados
Bia Bedran
Angelus Produções Artísticas
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OFICINA: ADIVINHA ADIVINHÃO, O QUE
É, O QUE É?
DANIELA MENDES E RENATA TOMÉ
"...os
contos são verdadeiras obras de arte. São uma grande arte que pertence ao
patrimônio cultural de toda a humanidade e representam a visão do mundo, as
relações entre o homem e a natureza sob as formas estéticas mais acabadas;
aquelas que provocam precisamente o maravilhoso."
Jean-Marie
Gillig.
Os
contos populares são um precioso conjunto de formas literárias: contos de
encantamento, quadras, ditados, lendas, casos, adivinhas, anedotas, frases
feitas, parlendas, trava-línguas. Essa produção cultural tem sido recolhida por
antropólogos, sociólogos, psicólogos e folcloristas e constitui um acervo
bastante extenso e relativamente acessível. Também, representa uma relevante
coleção de enredos, procedimentos com as palavras e concepções que precisaria
ser mais bem compreendida e valorizada.
Desejando-se
formar leitores no Brasil é necessário conhecer melhor e explorar
sistematicamente esse imenso acervo no processo educacional, principalmente no
caso de pessoas originárias ou vinculadas de alguma forma à tradição oral.
Vamos
tratar nesta oficina sobre os Contos de Adivinhação. Alguns estudiosos
há que preferiram incluir estes contos entre os enigmas propriamente ditos.
Assim procedeu José Maria de Melo (Enigmas populares, Rio de Janeiro,
Editora A Noite, 1950), empregando o título de "Contos de advinhas".
Teófilo
Braga, talvez o primeiro escritor a focalizar o assunto em língua portuguesa
("As adivinhas populares". Etnologia portuguesa, 1880-1881),
já deixou anotado que "a relação do enigma com o conto é ainda muito
íntima e, por assim dizer, constitui um gênero". E acrescentou: "é um
modo indireto da adivinha permanecer na tradição popular".
Consideramos
que este gênero pode figurar entre os contos, como consta da classificação de
Câmara Cascudo, como entre as adivinhas, como procedeu José Maria de Melo.
Sendo intermediário, não tem seus limites definidos; por isso mesmo parece-nos
não errar aquele que inclua os "contos de adivinhação" entre peças
tradicionais narrativas ou enigmáticas.
A
característica principal dos contos de adivinhação, conforme observou Câmara
Cascuda, é que "a vitória do herói depende da solução de uma adivinhação,
charada, enigma, tradução de gestos, decifração da origem de certos
objetos"; em alguns casos uma "princesa casará com quem decifre um
enigma proposto por ela", em outros, casará com quem lhe proponha uma
adivinha que não seja por ela decifrada, ou, ainda, premiará o herói com um
tesouro, em vez de casar-se com ele. Assim são os contos de adivinhação em sua
maioria.
Ricardo
Azevedo refere-se aos contos de adivinhação como: “A adivinha, portanto, pode
ser considerada uma espécie de introdução à linguagem poética, mas mais que
isso. Nas sociedades antigas, druidas e sacerdotes eram admirados justamente
porque sabiam decifrar enigmas. Para esses povos, os enigmas traziam sempre um
conhecimento sagrado sobre a vida e o mundo”.
Com
o desenvolvimento da civilização, o enigma ganhou dois sentidos diferentes: de
um lado virou questão de filosofia ou de ciência, de outro, simples
divertimento.
Examinando
as adivinhas populares encontramos pequenas especulações que nos fazem meditar,
compreender ou atentar melhor, sempre de maneira intuitiva e afetiva.
AZEVEDO,
RICARDO. Contos de adivinhação: versões de contos populares. São Paulo: Ática
2008.
TEIXEIRA, FAUSTO.
Contos de adivinhação. Disponível em: http://www.jangadabrasil.com.br/revista/maio78/im78005c.asp
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OFICINA: ADIVINHA ADIVINHÃO, O QUE É, O QUE É?
RESUMO: A oficina tem por objetivo
desenvolver atividades de incentivo a leitura na perspectiva lúdica, oferecendo
aos participantes a oportunidade de ler e brincar com os contos de adivinhação
da nossa cultura popular.
DESENVOLVIMENTO:
1º MOMENTO: Música para sensibilização:
ADIVINHA O QUE É?
Quem adivinha o que é
Que cai em pé
E corre deitada
E faz a terra ficar molhada Adivinha
o que é?
- a chuva é que é!
Tem asa, não voa nada
Tem bico, mas não dá bicada
Ave não é?
Adivinha o que é?
- bule de café!
|
Quanto mais se tira
Fica maior
Quanto mais se bota
Fica menor
O que é?
- um buraco qualquer
Uma casinha branca
Sem porta, sem tranca
Nunca fica de pé?
Adivinha o que é?
- o ovo é que é!
|
Que quanto mais
Você dá e divide
Mais cresce
Parece multiplicar
Quem adivinha o que é
- que é amar!
MPB4
Composição: Renato Rocha
|
Link para baixar: http://www.4shared.com/music/GBf2eRoE/file.html
2º MOMENTO:
Contação da história:
“O rei que não sabia ser feliz” de Ricardo Azevedo.
3º MOMENTO: Refletindo
sobre a importância do trabalho com os contos populares. Fundamentação baseada
em Luís da Câmara Cascudo e Ricardo Azevedo.
4º MOMENTO: Apresentação
de livros com alguns contos populares que podem ser trabalhados com os alunos.
5º MOMENTO: Solicitar
que o grupo se divida e forme duas equipes, onde cada uma deverá resgatar na
memória e registrar no papel ofício com piloto, adivinhas que brincavam quando
eram pequenos.
6º MOMENTO: Utilizando
uma caixa no formato de um dado, com desenhos de três símbolos (boca, ponto de
interrogação e um balão com “ha ha ha”) cada participante deverá agir conforme
orientação a seguir:
Boca: O participante deverá recordar uma adivinha e falar para
o grupo adivinhar.
Interrogação: O participante deverá ler uma adivinha da caixa para o
grupo responder.
Balão
com “ha ha ha”: O participante deverá ler a adivinha
contendo a resposta e mediar à brincadeira.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
O REI QUE NÃO SABIA SER FELIZ
Era um rei que não
sabia ser feliz. Tinha os tesouros mais preciosos, as terras mais férteis e os
exércitos mais poderosos. Morava num castelo prateado construído no alto de uma
montanha. Mesmo assim, vivia triste, sombrio e amargurado.
Um belo dia, o tal
monarca ouviu falar de um ferreiro muito pobre que morava num casebre com a
mulher e um casal de filhos. O povo dizia que o sujeito, mesmo miserável e sem
ter onde cair morto, vivia sempre risonho e animado. Anunciava e garantia para
quem quisesse ouvir que era muito feliz.
O rei não quis
acreditar:
_ Se eu que sou
nobre, rico e poderoso vivo aflito, preocupado e cheio de problemas, como é que
pode um zé-ninguém, um pé-rapado, um pobre coitado achar que pode ser feliz?
No fundo, o monarca
sentiu uma mistura de raiva com dúvida e inveja. E logo teve uma idéia. Montou
seu cavalo alazão, foi até a casa de ferreiro, mandou chamar o homem e disse:
_ É verdade que você
é feliz?
_ Sim! – respondeu o
ferreiro com os olhos cheio de luz.
_ Ah é? – respondeu o
rei. – Então, quero ver se você adivinha:
O que é, o que é:
Tem no começo da rua
Vive na ponta do ar
Dobra no meio da
terra
Morre onde acaba o
mar?
O rei explicou que
voltaria no dia seguinte. Se o ferreiro não adivinhasse ia para forca.
_ E se eu adivinhar?
– perguntou o ferreiro, assustado.
_ Se adivinhar, fica
tudo por isso mesmo!
Disse isso, deu
risada, chicoteou o cavalo e partiu a galope.
Naquela noite, a
filha do ferreiro sentiu que o pai estava muito preocupado. Conversa vai,
conversa vem, o homem acabou desabafando e contando o que havia acontecido.
Confessou que não sabia adivinhar. Achava que no dia seguinte ia morrer na
forca. A filha do ferreiro deu risada.
_ Mas é tão simples!
Aquilo que tem no começo da rua, vive na ponta do ar, dobra no meio da terra e
morre onde acaba o mar é a letra R!
No dia seguinte, o
ferreiro respondeu a adivinha e deixou o rei admirado.
_ Mas como você
adivinhou?
_ Não fui eu –
respondeu o homem sorrindo. – Foi minha filha!
O rei não se
conformou:
_ Ah é? Então mata
esta:
O que é, o que é:
Agarra, coça e atira
Escreve, pinta e
inventa
Aperta, aponta e dá
soco
Faz carinho e
cumprimenta?
E repetiu o que havia
dito da outra vez. Se o ferreiro adivinhasse, ficava tudo por isso mesmo. Se
não adivinhasse, forca.
Naquela noite, a
filha sentiu que o pai estava, de novo, muito aflito. Conversa vem, conversa
vai, o homem acabou contando o que havia acontecido. Disse que não sabia
adivinhar. Chorou. Achava que dessa vez ia mesmo morrer na forca. A filha do
ferreiro deu risada.
_ Mas é tão simples!
Aquilo que agarra, coça e atira, escreve, pinta, inventa, aperta, aponta, dá
soco, faz carinho e cumprimenta é a mão!
No dia seguinte, o
ferreiro respondeu a adivinha e deixou o monarca com a cara no chão.
_ Mas como você
adivinhou?
_ Não fui eu –
respondeu o homem sorrindo. – Foi minha filha!
O rei foi embora
pensando:
_Como será a filha do
ferreiro?
Chegou no castelo e
logo fez um plano. Mandou um criado à casa do ferreiro com um monte de
perguntas. Queria dados, detalhes e informações a respeito da tal moça.
O
criado foi. Bateu na porta. Quem atendeu foi a própria filha do ferreiro.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
O criado perguntou:
_ Cadê sua mãe?
E a moça:
_ Foi ver quem nunca
foi visto.
E o criado:
_ Cadê o seu pai?
E a moça:
_ Foi mijar pra trás.
E o criado:
_ Cadê seu irmão?
E a moça:
_ Foi tomar água que
passarinho não bebe.
O criado do rei não
entendeu nada, despediu-se e foi-se embora. Quando contou as respostas da filha
do ferreiro, o rei ficou admirado:
_ Mas é claro como um
copo d’água! Se a mãe dela for ver quem nunca foi visto é porque deve ser
parteira e foi ajudar uma criança a nascer. Se o pai foi mijar pra trás é
porque deve ter desistido de algum negócio. Se o irmão foi tomar água que
passarinho não bebe é porque deve estar bebendo cachaça com os amigos.
O rei era solteiro.
Encantado com as respostas da moça, sentiu vontade de conhecê-la melhor. Deu
ordens para irem buscá-la imediatamente.
Dito e feito.
Quando viu a filha do
ferreiro em carne e osso, o tal monarca ficou mais encantado ainda. É que a
moça era uma fruta preciosa de tão bonita e cheirosa.
O rei, então, pegou-a
pelo braço e saiu mostrando os ares, belezas e lugares do castelo. Mas tarde, o
casal sentou-se no jardim para trocar idéias e se conhecer melhor. Conversa
vem, conversa vai, o rei ficou apaixonado de vez. No fim daquele mesmo dia,
pediu a mão da moça em casamento.
A filha do ferreiro
aceitou e o jovem monarca foi logo mandando preparar a festa, avisar o padre e
escrever os convites. Depois, chamou a moça e avisou:
_ Decidi me casar com
você amanhã mesmo! Como vai ser minha mulher, quero que você hoje volte pra
casa levando de presente a coisa mais valiosa que encontrar no castelo. Pode
pegar o que quiser: pedras preciosas, anéis e colares de diamantes ou arcas
cheias de moedas de ouro. De agora em diante, tudo que é meu é seu!
A moça sorriu
agradecida.
_ Prometo escolher
uma coisa bem valiosa – disse ela -, mas antes queria tomar um pouco de vinho
tinto.
Explicou que era para
brindar o casamento mas, quando o rei se distraiu, colocou sete gotas de
remédio no cálice. Bastou um gole para o monarca ficar zonzo, meio grogue,
fechar os olhos e cair desmaiado com um sorriso parado no rosto.
Mais que depressa, a
filha do ferreiro chamou os criados, mandou colocar o noivo numa carruagem,
disse adeus e levou-o embora.
No dia seguinte,
quando o rei acordou, não entendeu nada vezes nada.
_ Quem sou eu? Onde
estou? O que ouve? Como assim? – gritava ele entre zangado e assustado. E
depois: - Socorro! Me acudam! Fui seqüestrado!
Gritou e esperneou
mas, olhando melhor, reconheceu o lugar e descobriu que tinha passado a noite
na casa do ferreiro.
Foi quando a moça
entrou no quarto e explicou tudo:
_ Você não disse que
eu podia trazer a coisa mais valiosa do castelo?
O monarca fez sim com
a cabeça. E a filha do ferreiro:
_ Pois bem. Pra mim,
a coisa mais valiosa do castelo é você mesmo!
Ao ouvir aquelas
palavras, o rei até inchou de tanta vaidade. Mas a alegria durou pouco. Fazendo
cara feia, a moça continuou:
_ Só caso com você se
pedir desculpas a meu pai. Onde já se viu ameaçar de levar alguém pra forca só
por causa de um capricho? Não quero saber de marido egoísta e invejoso que só
sabe pensar em si mesmo e não liga pra mais ninguém! Quero me casar com um rei
que tente melhorar, e não piorar, a vida de seu povo!
Pego de surpresa, o
monarca deu o braço a torcer, vestiu a carapuça e reconheceu que tinha errado
feio. Chamou o pai da noiva, ajoelhou-se arrependido e pediu perdão.
Dizem que o casamento
do rei com a filha do ferreiro foi uma festança cheia de dança, comilança e
esperança. Dizem também que só então aquele homem soube o que era ser feliz.
Ricardo
Azevedo. Em: “Contos de Adivinhação: versões de contos populares”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
A ADIVINHA DO AMARELO
Um rei tinha uma
filha tão inteligente que decifrava imediatamente todos os problemas que lhe
davam. Ficou com essa habilidade, muito orgulhosa, e disse que se casaria com o
homem que lhe desse uma adivinhação que ela não descobrisse a explicação dentro
de três dias. Vieram rapazes de toda parte e nenhum conseguiu vencer a princesa
que mandou matar os candidatos vencidos.
Bem longe da cidade
morava uma viúva com um filho amarelo e doente, parecendo mesmo amalucado. O
amarelo teimou em vir ao palácio do rei apresentar uma adivinha à princesa,
apesar de rogos de sua mãe que o via degolado como sucedera a tantos outros.
Saiu ele de casa
trazendo em sua companhia uma cachorrinha chamada Pita e um bolo de carne,
envenenado, que lhe dera sua própria mãe. Andou, andou, andou, até que desconfiando
do bolo o deu à Pita. Esta morreu logo. O amarelo, muito triste, jogou a
cachorrinha no meio do campo e os urubus desceram para comê-la. Sete urubus
morreram também. O amarelo com fome atirou com uma pedra em uma rolinha, mas
errou e matou uma asa branca. Apanhou-a e sem deixar de andar ia pensando como
podia comer sua caça quando avistou uma casinha. Era uma capela abandonada há
muito anos. O amarelo entrou e aproveitando a madeira do altar fez uma fogueira
e assou o pássaro, almoçando muito bem. Ao sair, viu que descia na água do rio
um burro morto, coberto de urubus. Estando com sede, encontrou um pé de
gravatá, com água nas folhas e bebeu a fartar. Quase ao chegar à cidade reparou
em um jumento que escavava o chão com insistência. O amarelo foi cavar também e
descobriu uma panela cheia de moedas de ouro. Chegando à cidade, procurou o
palácio do rei e disse que tinha uma adivinhação para a princesa. Marcaram o
dia, e o amarelo, diante de todos, disse:
Saí de casa com massa
e Pita
A Pita matou a massa
E a massa matou a
Pita
Que também a sete
matou
Atirei no que vi
Fui matar o que não
vi
Foi com madeira santa
Que assei e comi
Um morto vivo levava
Bebi água, não do céu
O que não sabia a
gente
Sabia um simples
jumento
Decifre para seu
tormento
A princesa pediu os
três dias para decifrar e o amarelo ficou residindo no palácio, muito bem
tratado. Pela noite, a princesa mandou uma criada sua, bem bonita, tentar o
amarelo para que lhe dissesse como era a adivinhação. O amarelo compreendeu
tudo e foi logo dizendo:
- Só direi se você me
der a sua camisa.
Vai a moça e deu a
camisa ao amarelo, que contou muita história mas não explicou a adivinhação. A
princesa, vendo que a criada nada conseguira, mandou a segunda e houve a mesma
cousa, ficando o amarelo com outra camisa. Na última noite, a princesa procurou
o amarelo para saber o segredo. O rapaz pediu a camisa e a princesa não teve
outro remédio senão a entregar. No outro dia, diante da corte, a princesa
explicou a adivinhação:
- Massa era o bolo
que a cachorra Pita matou porque comeu e foi morta pelo bolo, matando
envenenados os sete urubus. A rolinha escapara da pedrada, mas a asa branca
morrera sem que o caçador a tivesse visto. Assou-a com madeira que guardara a hóstia
santa. Um cadáver de burro levava, rio abaixo, uma nuvem de urubus vivos. A
água que se conservava entre as folhas do gravatá, matara a sede do amarelo. O
que não sabia o povo inteligente, sabia um jumento que cavava ouro ao pé de uma
árvore.
Era tudo. Bateram
muita palma, mas o amarelo disse logo:
- O fim dessa
adivinha é fácil e eu vou dizer logo,
antes que morra
degolado!
- Quando neste
palácio entrei
Três rolinhas
encontrei
Três peninhas lhes
tirei
E agora mostrarei…
E foi puxando a camisa
da primeira criada e mostrando. Fez o mesmo com a da segunda. Quando tirou a
camisa da princesa, esta correu para ele, dizendo:
- Não precisa mostrar
a terceira pena! Eu disse a adivinhação porque você me ensinou, e me ensinou
porque é meu noivo…
Casaram e foram muito
felizes.
Luís
da Câmara Cascudo. Em: “Literatura oral no Brasil”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
AS AVENTURAS DE JOÃO GRILO
João Grilo era um
cabra safado demais da conta. Passava o dia deitado na rede, pensando na vida,
descansando e molengando.
_ Vai trabalhar,
filho! – dizia o pai.
_ Vai trabalhar,
filho! – dizia a mãe.
E João nada, só lá
bem-bom:
_ Não gosto de fazer
o que a vontade não quer! – explicava ele bocejando e examinando as nuvens do
céu.
Um belo dia, João
Grilo deu um pulo da rede e avisou:
_ Já sei. Vou ser
adivinho!
Despediu-se do pai e
da mãe e caiu no mundo.
Andou, andou, andou e
chegou numa cidade. Viu três burros amarrados no muro do mercado. Correu, pegou
os bichos e escondeu num matagal ali perto.
Depois voltou à
cidade, foi até o mercado e espalhou que sabia adivinhar. Logo apareceu o dono
dos burros. Estava aflito.
_ Soube que você é
adivinho – disse ele. – Roubaram meus três burrinhos. Se adivinhar onde eles
estão eu pago um bom dinheiro.
_ É comigo mesmo! –
respondeu o malandro.
E fez cara de
pensamento. E fechou os olhos. E franziu a testa. E se ajoelhou e rezou e de
repente deu um pinote:
_ Já sei!
Entrou no mato e
mostrou onde os burros estavam.
Ganhou o dinheiro e
foi embora todo risonho.
Aconteceu que notícia
corre mais que pé-de-vento.
O rei daquele lugar
soube que havia um adivinho de verdade na cidade e mandou chamá-lo urgente.
João Grilo foi.
Encontrou o monarca muito preocupado.
_ Roubaram as joias
mais preciosas da rainha – disse ele. – Levaram tudo: colares, anéis, brincos e
pulseiras de ouro puro.
E disse mais: se João
adivinhasse onde estavam as joias, ganharia um saco de moedas de ouro. Em
compensação, se não descobrisse, ia para a forca. Deu três dias para fazer a
adivinhação.
João coçou a cabeça e
fez um pedido. Queria passar os três dias num quarto confortável, com muita
comida e bebida.
“Já que vou morrer
mesmo”, pensou ele, “pelo menos passo meus três últimos dias enchendo a pança
com comida e bebida da boa!”
E assim foi.
No fim do primeiro
dia, quando o empregado do rei veio retirar a comida, João disse alto:
- O primeiro já
passou.
Ele estava querendo
dizer que o primeiro dia já tinha passado, mas o empregado saiu dali apavorado.
Era um dos bandidos que tinham roubado as joias da rainha. Foi correndo avisar
seu dois comparsas.
- Acho que o tal João
Grilo é adivinho mesmo!
No fim do segundo
dia, quando o outro empregado do rei veio retirar a comida, João disse alto:
- O segundo já
passou.
Ele estava falando do
segundo dia, mas o empregado saiu dali apavorado. Era o outro bandido que tinha
roubado as joias. Foi correndo avisar seus dois comparsas.
- Acho que o tal João
Grilo é adivinho no duro!
No fim do último dia,
quando o terceiro empregado do rei veio retirar a comida e João disse alto: - O
terceiro já passou -, o danado caiu de joelhos e confessou tudo. Pediu pelo
amor de Deus. Que João não contasse nada para o rei. Jurou que os três iam
devolver as joias.
Por dentro, João
grilo ficou surpreso. Por fora, fez cara de grande adivinhão e ainda disse:
- Combinado, mas
quero as joias da rainha, agorinha mesmo, aqui na mão!
- No dia seguinte,
quando o rei apareceu e viu as joias, quase chorou de alegria.
- Você é adivinho de
verdade!
E
deu para João um saco cheio de moedas de ouro. Mas antes resolveu fazer um
último teste. Foi até a cozinha do palácio e pegou o rabo de uma porca que
estava sendo preparada para virar almoço. Voltou, chamou João e disse:
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
_ Quero ver se você é
bom mesmo. Adivinhe o que eu tenho na mão.
João Grilo se
apavorou e respondeu:
_ Agora é que a porca
torceu o rabo!
O rei arregalou os
olhos.
_ Adivinhou!
E, assim, João Grilo
pegou suas coisas e foi embora cheio de ouro e muito dinheiro.
Foi, foi, foi e
chegou noutra cidade. Soube que o rei do lugar tinha uma filha muito bonita que
queria se casar. Mas só casava com quem conseguisse responder quatro perguntas
do rei.
João Grilo encheu o
peito:
_ Mas eu sou
adivinhão!
E foi direto para o
palácio procurar o tal rei.
Do trono, o monarca
examinou João Grilo de cima a baixo e quis saber:
_ Qual é seu nome?
João mentiu:
_ Me chamo João
Baratão.
E o rei:
_ Saiba, João
Baratão, que, se conseguir responder às quatro perguntas. Casa com a princesa.
Mas fez cara de
ameaça:
- Agora, se errar,
vai direto pro cemitério!
Por dentro, João
sentiu um friozinho na espinha. Por fora, respondeu com voz firme de grande
mestre na arte de adivinhar:
Vamos lá, majestade,
diga logo quais são as quatro perguntas!
O rei insistiu:
_ Muita gente já
tentou e tive que mandar cortar o pescoço!
E João:
_ Vai perguntar ou
não vai?
E o rei:
_ Então segura esta:
qual é o peso da Terra?
João Grilo pensou um
pouco e respondeu:
_ Mande tirar todas
as pedras e árvores do mundo que eu peso a Terra e depois digo.
O rei gostou da
resposta. E fez a segunda pergunta:
_ Quanta água existe
no mar?
João pensou um pouco
e respondeu:
_ Mande parar todos
os rios do mundo para eu calcular!
O rei gostou da
resposta. E fez a terceira pergunta:
_ Quantas estrelas
existem no céu?
João pensou um pouco
e respondeu:
_ Três trilhões,
trezentas e trinta e três mil e trinta e três vírgulas três.
O rei ficou surpreso:
_ Como você sabe?
E João:
_ É certeza! Pode
mandar contar, ué!
O rei gostou da
resposta. E fez a última pergunta. Mas antes avisou:
_ É a mais cabeluda.
Preste muita atenção: o que é o que eu estou pensando agora?
João Grilo nem
vacilou:
_ Está pensando que
sou o João Baratão, mas eu sou é o João Grilo!
Todos deram risada. O
rei aprovou a resposta. A princesa, que tinha assistido a adivinhação, sorriu
satisfeita. Tinha adorado o jeito alegre, sabido e adivinhão de João Grilo.
O rei mandou fazer
uma festa daquelas. Os pais do João foram convidados. Teve sanfoneiro, forró e
tudo. Dizem que foi tanta alegria, tanta dança e tanta comilança que a festança
varou sete dias e sete noites.
Eu também fui
convidado
Pra você trouxe um
docinho
Mas como eu sou
esganado
Comi tudo no caminho!
Ricardo
Azevedo. Em: “Contos de Adivinhação: versões de contos
populares”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OS SETE PARES DE SAPATO
DA PRINCESA
Era uma vez um reino
em que havia uma princesa que gastava sete pares de sapato por noite. Ninguém
podia explicar esse mistério. Vai então Joãozinho, um rapozote que andava
correndo mundo e que saíra de casa com a bênção do pai, tinha chegado a essa
terra e ouviu falar desse misterioso caso. O rei daria a mão da princesa em
casamento a quem descobrisse tudo como era. Mas quem o tentasse e não
descobrisse – era ali na certa – daria a cabeça a degolar. Muitos já tinham
experimentado e recebido o grande castigo. Mas Joãozinho que era moço de muita
confiança, em suas orações pediu a sua madrinha, Nossa Senhora, que o
protegesse, e apresentou-se em palácio.
Foi uma dificuldade
para falar ao rei, mas por fim avistou-se com Sua Majestade, e vai então
disse-lhe que estava pronto para decifrar o mistério. O rei avisou-o do que lhe
havia de acontecer se não descobrisse. Ele aceitou, mas com a condição de
dormir num aposento que se comunicasse com o da princesa. Ficou tudo combinado.
Mas a princesa veio a saber, e ordenou à aia que pusesse dormideira no chá de
Joãozinho. Dito e feito! Mas o rapaz, que era esperto, fez que bebeu, mas
lançou fora o chá.
Quando se acomodaram,
Joãozinho fingiu que dormia, e até roncava para melhor fingir. Mas olho
esperto! E até tinha anotado que debaixo da cama da princesa havia um bauzinho
de folha, fechado, de onde, de vez em quando, saia um ruído.
Lá pela meia noite
ouviu uma voz. Era da princesa, que chamava:
- Calicote! Calicote!
De dentro do baú saiu
um diabinho!
- É hora! É hora,
princesa!
A princesa vestiu-se
num momento. Pôs no bauzinho meia dúzia de pares de sapato, os quais pares, com
que tinha nos pés, faziam sete.
O diabinho pegou do
baú e saiu pela janela com a princesa. Logo depois saiu Joãozinho, muito
escoteiro. Lá fora havia uma carruagem toda dourada, com cavalos pretos
arreados de ouro e prata.
O Calicote e a princesa
tomaram assento no carro. Joãozinho saltou para a traseira do trole, que partiu
à toda.
Lá adiante apareceu
de repente um campo todo de flores de bronze. Joãozinho apanhou uma, examinou-a
encantado e guardou-a no bornal que levava a tira colo.
Mais adiante
atravessaram outro campo, mas agora as flores eram de prata; depois outro campo
de flores de ouro; outro de flores de diamantes; outro de flores de rubi; e
outro de flores de esmeralda.
Era mesmo uma
lindeza! Joãozinho de cada um apanhava uma flor e metia no bornal, sempre mais
encantando e admirado daquele mistério.
Por fim chegaram a um
rico palácio, como não há na Terra. Todo alumiado e com um jardim de
maravilhas, com flores de toda casta de ricos metais e pedras preciosas. Tocava
uma música que era uma coisa sobrenatural. Criadagem toda de libré. Convidados
ricamente vestidos, todos pareciam príncipes e princesas.
Os recém- chegados
uniram-se aos outros convivas e foram todos para mesa da sala de jantar, onde
havia um grande banquete. Joãozinho achou jeito de saltar uma das janelas e
colocar-se debaixo da mesa.
De
vez em quando algum dos convidados deixava cair um osso de peru ou de galinha,
e Joãozinho apanhava e metia no bornal. Para encurtar logo depois começou o
baile. E a cada contradança que a princesa dançava com algum dos convidados,
rompia um par de sapatos que Calicote lançava para o canto, trocando-os por
outros que trouxera no bauzinho. Mas Joãozinho era esperto e ia se apoderando
de um pé de botina estragado quando estava para darem duas horas a princesa
disse:
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
- Calicote! É hora!
- Sim, princesa,
vamos!
Foram tomar o trole,
acompanhados até a porta pelos convidados. E Joãozinho, já se sabe – upa! para
traseira, com seu bornal bem sortido.
Foi uma disparada só,
e quando deram duas horas já todos estavam nos seus aposentos. E o trole tinha
desaparecido.
Calicote entrou para
o bauzinho, que foi escondido debaixo da cama.
Quando amanheceu já o
rei estava aflito para saber da solução do enigma.
Quando Joãozinho saiu
do quarto, foi logo chamado à presença do rei, e disse:
- Saiba Vossa Real
Majestade que a resposta que lhe será dada hoje, à hora do jantar, e peço que
seja dado um banquete e sejam convidados o senhor bispo e a princesa.
O rei sorriu-se
daquele estranho pedido. Mas, querendo ter paciência até o fim, mesmo porque
não deixava de estar curioso, deu o banquete, a que compareceu toda a alta
fidalguia.
O jantar ia correndo
sem novidade, quando, à hora da sobremesa, Joãozinho levantou-se e brindou a
princesa, dizendo que lhe queria oferecer misteriosas e ricas prendas. E disse:
- No jardim deste
palácio haverá flores de bronze?
E tirou do bornal,
que escondera debaixo da casaca, a flor de bronze.
A princesa
empalideceu, e ele colocou a flor sobre a mesa.
- Haverá flores de
prata? Flores de ouro? De diamante? De rubi? De esmeralda? – e ia colocando as
flores sobre a toalha.
- E pés de galinha de
prata? E pés de peru de ouro? Haverá?
Todos estavam
deslumbrados por ver tais coisas nunca vistas, e a princesa ia se tornando cada
vez mais pálida. Mas Joãozinho continuava:
- E este sapato,
conhecerá Vossa Alteza? E este? E mais este?
E ia mostrando cada
sapato, até o número de sete.
- Pois tudo isto
pertence a Vossa Alteza.
Já então a princesa
tinha desmaiado e estava sendo socorrida, mas Joãozinho correu ao quarto,
trouxe o bauzinho e pediu ao senhor bispo que o benzesse. O bispo benzeu-o, e o
baú deu um estouro, e desprendendo-se no ar um cheiro de enxofre que ninguém
podia suportar.
Quando a princesa
abriu os olhos, voltando a si, exclamou, cheia de alegria:
- Graças a Deus,
estou livre!
Tinha perdido aquele
mal fado que uma fada infernal lhe tinha posto, quando tinha doze anos, com
inveja da sua grande beleza.
Todos festejaram o
feito de Joãozinho, que se casou, daí por pouco, com a princesa, vivendo todos
muito felizes.
E ele tudo agradeceu
à sua boa madrinha, Nossa Senhora da Conceição Aparecida e, Deus louvado,
acabou-se a história.
Henriqueta Lisboa.
Em: “Literatura oral
para infância e juventude:
lendas,
contos e fábulas populares no Brasil”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
ADIVINHAS
O que é, o que é?
Sua vida é o inverso,
É sempre grande ao nascer,
Mas depois de escrever versos,
Bem pequeno vai morrer?
Resposta: O lápis
O que é, o que é?
Não é corda e é comprida,
Quando quebra dói demais.
Em geral dobra no meio
E tem a barriga pra trás?
Resposta: perna
O que é, o que é?
Quem tem prefere não ter,
Fica triste e quase chora.
Travesseiro tem por dentro,
Mas galinha tem por fora?
Resposta: Pena
O que é, o que é?
Atenção aos três irmãos:
O primeiro já morreu,
O segundo vive aqui,
O terceiro não nasceu?
Resposta: o passado, o presente e o futuro.
O que é, o que é?
Enche uma casa completa,
Mas cabe dentro da mão.
Amarrado pelas costas,
Entra e sai sem ter portão?
Resposta: Botão
O que é, o que é?
Tem bico, mas não belisca,
Tem boca, mas
não é gente,
Tem asa, mas nunca voa,
Tem chapéu e vive quente?
Resposta: O bule
O que é, o que é?
Deus dá na primeira vez,
Na segunda vez Deus dá,
Na terceira quem quiser
Que se vire e vá comprar?
Resposta: Os dentes
O que é, o que é?
Separa as coisas do mundo,
Na terra manda e desmanda,
Sobe morro, desce morro,
Vive parada e não anda?
Resposta: a cerca
|
O que é, o que é?
Tem no começo da rua,
Vive na ponta do ar,
Dobra no meio da terra,
Mora onde acaba o mar?
Resposta: Letra R
O que é, o que é?
Esse animal tão raro
De manhã tem quatro pés,
De tarde vai com dois pés
E de noite usa só três?
Resposta: a criança, o homem
e o velho de bengala.
O que é, o que é?
Ele é mudo, surdo e cego,
Satisfaz toda a vaidade,
Muito embora sendo mudo,
Sempre só diz a verdade?
Resposta: o espelho
O que é, o que é?
Essa coisa é invisível,
Quem compra nunca quer ter,
É roupa que mulher veste,
Mas o marido não vê?
Resposta: O luto.
O que é, o que é?
Enquanto come ele vive,
Quanto mais come mais corre,
Toda vez que bebe água,
Não tem jeito, sempre morre?
Resposta: fogo
O que é, o que é?
Mesmo parada onde estou,
Andam por cima de mim.
Ao mesmo tempo me gostam,
No fim todos vem para mim?
Resposta: a terra
O que é, o que é?
Gosta de nadar no rio,
Não é peixe e nem tem cara,
É capim sem ser capim,
É vara e nunca foi vara?
Resposta: a capivara.
O que é, o que é?
Tira a roupa
E mostra os dentes,
Tira os dentes
Mostra o corpo?
Resposta: O milho
Ricardo Azevedo.
Em: “Cultura
da terra”.
|
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
HISTÓRIAS COM UMA PONTINHA DE MEDO
CRISTIANE DANTAS E IZABEL DOCECK
Ler e contar histórias são práticas que despertam nas
crianças a curiosidade, imaginação criativa e a ludicidade, além de
estimulá-las a refletir sobre temas delicados e complexos da experiência
humana. Quando estas práticas se tornam regulares, fazem com que as crianças
ampliem seu repertório de histórias, conheçam o funcionamento da linguagem
escrita e, principalmente, encontrem espaço para expressar suas inquietações e
medos.
O medo está presente em muitas histórias da tradição oral,
que tinham como objetivo alertar sobre situações de perigo do cotidiano da
criança. Podemos citar como um exemplo clássico a personagem do Lobo em
Chapeuzinho Vermelho que nos remete ao perigo de falar com estranhos. Neste
enredo bruxas, madrastas, lobisomem, mula-sem-cabeça, fazem parte de um círculo
de medos do escuro, de morrer, da sombra, do abandono.
Não é só nas histórias que o medo se revela; este sentimento
está presente também em nosso cotidiano, como nos remete Gens (2010). Difícil
encontrar alguém que não tenha passado por um momento de horror ou tenha, por
meio da mídia, contato com imagens violentas como guerras, assassinatos e
roubos. A curiosidade gerada pelo medo do desconhecido, segundo a autora,
desperta a sensação de susto e repulsa, ou seja, as pessoas se fascinam pelo
que repelem.
Desta forma, sustos, suspense, revelações, presentes nas
narrativas de terror estão intimamente atrelados aos comportamentos e
vivências, suscitando a emoção e a fantasia pelo enredo do medo. Compreende-se
assim, o interesse das crianças e jovens por histórias macabras, visto que
por meio do suspense e do susto, a leitura
pode acordar crianças leitoras e leitores jovens, permitindo respaldar a
aventura do crescimento, sem pânico de amadurecer. O poder da fantasia, com seus perigos e recompensas, leva à possibilidade de entender o medo, de experimentá-lo na fabulação e suplantá-lo. (GENS 2010, p. 81)
Não podemos deixar de lembrar que durante muito tempo os
adultos utilizavam-se de personagens monstrengas e perigosas para amedrontar as
crianças, bem como seres do nosso folclore e/ou de lendas urbanas que circulam
na internet. Boi-da-cara-preta, bicho-papão, a loira do banheiro, a mulher de
branco, o homem do saco desfilaram em nossa infância e continuam povoando o
universo narrativo atual.
Estes mitos ou lendas urbanas geralmente são histórias de
terror baseadas em fatos reais que vêm sofrendo modificações ao longo dos anos.
Em uma mistura de realidade e fantasia, estas narrativas, disseminam-se
rapidamente, assustando e, muitas vezes, criando pânico e desconforto em
crianças e jovens, mas sobretudo despertando um fascínio e alimentando o
imaginário popular.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
GENS, Rosa. Leitura(s) do Medo. In Literatura
infantil e juvenil na prática docente. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2010.
GREGORIN FILHO, José Nicolau. Literatura infantil:
múltiplas linguagens na formação do leitor. São Paulo: Melhoramentos, 2009.
SANT’ANNA,
Affonso Romano de. Contação de estórias: vida e realidade. In Contadores
de
histórias: um exercício para muitas vozes. Rio de Janeiro: s. ed, 2011.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OFICINA: HISTÓRIAS COM UMA PONTINHA
DE MEDO
“A
mãe do medo é a incerteza,
e
o pai do medo é o escuro.
Enquanto
houver escuro no mundo, haverá medo.
E
enquanto houve medo,
haverá
monstros como os que você vai ver. “
Monteiro
Lobato
1º
MOMENTO - Música
para sensibilização, entregar a letra da música colada em cartolina preta, com
adesivos com motivos do tema medo.
CANÇÃO DA MEIA NOITE
Quando
a meia noite me encontrar
Junto
a você
Algo
diferente vou sentir
Vou
precisar me esconder
Na
sombra da lua cheia
Esse
medo de ser
Um
vampiro, um lobisomem, um saci Pererê
Dona
senhora meia noite eu canto
Essa
canção anormal
Dona
senhora essa lua cheia
|
Meu corpo
treme
Que será de
mim?
Que faço força
pra resistir
A toda essa
tentação
Na sombra da
lua cheia
Esse medo de
ser
Um vampiro, um
lobisomem, um saci Pererê
Composição: Zé Flávio
Música: Almôndegas
|
Link para baixar a música:
http://www.4shared.com/mp3/bh3nDthY/Almndegas_-_Cano_da_meia_noite.htm
2º MOMENTO - Leitura do pot-pourri de histórias de medo:
“Na antiga França vivia um menino que adorava
passear ao luar. Para ele, a noite era um período mágico e, embora seus pais
não gostassem desses passeios, quando a lua estava cheia, ele não conseguia
ficar em casa. Foi justamente numa dessas noites que acabou chegando ao bosque
das bruxas. Ele estava caminhando pela mata quando ouviu uma estranha melodia e
resolveu descobrir de onde ele vinha. Porém, nesse instante uma sombra passou
por ele. O menino virou-se a tempo de ver o que era: um homem imenso, todo
peludo, com cabeça de lobo – um lobisomem!”
“...numa noite sem lua, ia um homem por uma
estrada deserta e sombrosa. Nela havia um cemitério muito velho. Tão velho e
maltratado que algumas ossadas estavam até à mostra, dando ao lugar um aspecto
assustador.
Quando o homem passou pelo dito cemitério,
avistou uma caveira quase à beira do caminho. Teve uma ideia sem ver nem pra
quê: resolveu testar sua coragem diante do sobrenatural. Aproximou-se e,
agachando-se, deu uma pancadinha com o nó do dedo no crânio alvo, perguntando,
em tom de brincadeira:
- Caveira, quem a matou?”
“A mulher fechou bem a porta e disse aos
meninos que não saíssem de casa por nada, que o tal bicho andava por lá. Os
três meninos morriam de medo dele, pois quem já tinha topado com o bicho dizia
que ele era a coisa mais feia e assustadora do mundo:
- Um bicho grande, metade homem, metade
animal, que tem uma cabeça enorme. Ele não tem boca, o que tem é um buraco nas
costas, onde joga os meninos que come. O Kibungo abaixa a cabeça, pega o menino
e joga nas costas, certinho dentro do buraco, que faz a vez de boca.”
“Não era peixe, não, mas um afogado, com uma
veste preta como de monge.
O pescador desenganchou o anzol.
- Coitado, sobrou apenas o esqueleto.
O afogado respondeu:
- Bom dia. Eu sou a Morte.
O pescador deu dois passos para trás.
A Morte se levantou, as vestes encharcadas
grudadas nos ossos.”
“Na outra margem do rio,
havia um homem. Ele estava em pé, usava uma roupa escura e balançava qualquer
coisa na mão direita. Meus brincos!, pensou a menina. O desconhecido fez sinal
com a outra mão para que ela fosse pegá-los. Mariazinha não titubeou,
atravessou o rio. A noite já começava a se espalhar pelo
céu, fazendo com que ela mal pudesse enxergar as pedras. Quando chegou à outra
margem, viu que o homem tinha na mão um grande saco aberto, mas aí já era
tarde... Num ímpeto, ele agarrou a menina, jogou-a dentro do saco... e a noite
caiu.
Na beira do rio, as lavadeiras já tinham
recolhido toda a roupa lavada e voltado para casa. Só a mãe da menina torcia as
mãos aflita e chamava:
- Mariazinha! Mariazinha!
Quando a mãe, enfim, soube que a filha não
voltaria mais, agarrou a roupa e, com a alma encharcada de dor, voltou para
casa.
Dentro da noite, um homem
caminhava com seu saco às costas. A menina era leve e chorava baixinho.”
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
“Fez-se um minuto de
eterno silêncio e logo depois Maria Angula viu o resplendor fosforescente de um
fantasma. Um grito surdo e prolongado paralisou-a.
- Maria Angula,
devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha sepultura!
Maria Angula
sentou-se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto medo, viu
a porta se abrir, empurrada levemente por essa figura luminosa e descarnada.
A mulher perdeu a
fala. Ali, diante dela, estava o defunto, que avançava mostrando-lhe o seu
semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
- Maria Angula,
devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha sepultura!
Aterrorizada,
escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente sentiu umas
mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na...”
“Noite escura no
mato. Estrada de terra sem vivalma. O vento gemendo pelos galhos e as nuvens
passando nervosas, querendo chover.
Um homem vem vindo lá
longe. Devagarinho. Sem lua nem estrela para iluminar a viagem. Vem de sacola
pendurada no ombro e, na mão, um pau de matar cobra.
Trovoada. Os pingos
da chuva principiam a cair. O viajante aperta o passo. Na curva, dá com uma
casa abandonada. Cai um raio de despedaçar árvore. A chuva aperta. Na porta da
tapera tem uma cruz desenhada. O homem não quer saber de nada. Mete o pé na
porta e entra.
Dentro, um pouco de
tudo. Pedaços de mobília, tigelas, troços e trecos jogados no escuro.
O viajante faz fogo.
Agachado, tira um
pedaço de carne da sacola e bota para assar. Está morto de fome. Deita no chão
e solta o corpo, esperando a comida ficar pronta.
A chuva vai
minguando. O mato fica quieto.
De repente, o telhado
range. De lá de cima, um gemido rabisca o ar:
- Gaspar!”
“- Eu sou o Espírito
das Águas. Moro em seu poço e protejo a casa. Não pense que seus problemas
acabaram. As bruxas voltarão. Você precisa se preparar. Faça o seguinte: lave
os pés de seus filhos numa bacia e depois ponha a bacia com a água na soleira
da porta. Pegue o bolo em que as bruxas tocaram, dê um pedaço dele a seus filhos
e depois ponha-o também na soleira da porta. Por fim, coloque uma trava de
madeira na porta.
As bruxas retornaram
na mesma noite. Mas, quando chegaram à soleira da porta...”
“E mandou o filho
buscar a sanfona, e convidou a mulher para dançar. Ela, é claro, não quis saber
de dançar com o defunto, que cheirava pior que gambá.
O morto nem ligou.
Começou a dançar sozinho. De repente a mulher viu que um dedo dele estava
caindo, e ordenou:
- Toca mais rápido,
menino!
Assim que o ritmo se
acelerou, caiu outro pedaço.
- Mais depressa, que
eu também vou dançar – ela resolveu.
E começou a requebrar
e saltar e jogar a perna para o alto e balançar a saia.
O marido, animado,
tratava de acompanhar as piruetas da mulher, e enquanto isso o corpo dele
desmoronava. Até que só ficou a caveira pulando no chão, batendo o queixo.
A mulher caprichou
uma pirueta, a caveira imitou e o queixo desmontou. Pronto.”
Histórias dos trechos
destacados acima: O lobisomem bondoso, A lição da cadeira, Kibungo, A morte e o
pescador, Canta, canta, meu surrão, Maria Angula, Gaspar, eu caio!, A noite das
bruxas, Dançando com a morte.
3º MOMENTO - Reflexão sobre a
temática (Fundamentação Teórica) e apresentação de livros de contos populares
com enredo de medo;
4º MOMENTO - Dinâmica da
atividade:
Separar
o grupo em dois subgrupos. Em cada grupo será escolhido um componente para ser
transformado em um MONSTRO VIVO;
Será
oferecido um saco para cada subgrupo, com objetos e acessórios para a criação
do MONSTRO VIVO. Ex: Chapéu e nariz de bruxa, capas de cores escuras,
bichos peçonhentos de material variados, dentaduras plásticas, maquiagens, etc.
Cada
grupo irá escrever uma história que tenha como personagem principal o
“monstrengo” criado. Uma pessoa do grupo fará o registro escrito da história.
Voltar à formação
inicial para a leitura e apresentação dos Monstros e das histórias.
Variações da dinâmica
em sala de aula:
No
trabalho com os alunos pode ser criado mais de um MONSTRO VIVO. Na
criação da história, para os alunos dos anos iniciais, pode-se propor apenas a
contação oral da história criada e fazer o registro com filmagem ou criar um
texto coletivo tendo o professor como escriba. Para os alunos que já tem
prática de escrita, pode-se propor o registro escrito da história criada (em
duplas, em grupo, ou coletivo).
Pedir
que os alunos retirem do saco um objeto ou acessório e conte uma história que
tenha relação com o mesmo, pode ser alguma lembrança de algo que o amedronta,
de alguma outra história que ele ouviu ou um fato que ele vivenciou.
Propor que os
alunos investiguem as lendas urbanas que circulam na comunidade escolar e/ou na
família produzindo o registro dos relatos utilizando-se de várias linguagens e
manifestações artísticas.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
A
LIÇÃO DA CAVEIRA
Há muito tempo, numa
noite sem lua, ia um homem por uma estrada deserta e sombrosa. Nela havia um
cemitério muito velho. Tão velho e maltratado que algumas ossadas estavam até à
mostra, dando ao lugar um aspecto assustador.
Quando o homem passou
pelo dito cemitério, avistou uma caveira quase à beira do caminho. Teve uma
ideia sem ver nem pra quê: resolveu testar sua coragem diante do sobrenatural.
Aproximou-se e, agachando-se, deu uma pancadinha com o nó do dedo no crânio
alvo, perguntando, em tom de brincadeira:
- Caveira, quem a
matou?
Como era de se
esperar, não ouviu nenhuma resposta. Mas ele continuou com o gracejo:
- Caveira, quem a
matou? – Nada outra vez. Então ele a apanhou, levou à altura do rosto e, dando
vigorosas sacudidas, repetiu a pergunta.
Dessa vez, porém, foi
diferente. Movendo a queixada esbranquiçada, a caveira lhe respondeu num tom
soturno:
- Foi minha
líííííínguaaa!
Por aquilo o homem
não esperava. Tomado pelo pavor, largou imediatamente o macabro objeto e
afastou-se impressionado com o que acontecera. Beliscou-se. Não estava louco;
nem sonhando. A caveira realmente havia falado. Tinha certeza daquilo. Olhou
para trás e a avistou. Parecia encará-lo com aqueles enormes buracos escuros.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Caminhou o resto da noite até que, o
amanhecer, chegou a um lugarejo.
Casebres espalhados,
velhos e malcuidados; parecia que a vilazinha havia parado no tempo, imersa
numa atmosfera estranha. Naquela hora da manhã as pessoas começaram a sair das
casas para os seus afazeres diários. Ao notarem a presença do desconhecido,
dele se aproximaram, cheios de curiosidade.
Pois bem. Mal abriu a
boca foi ele logo dizendo que tinha ouvido uma caveira falar no velho
cemitério. E o povo dali, muito influenciável, tornou aquilo a principal
notícia do dia. Tão impressionados ficaram que, certa manhã, formando uma
pequena multidão, foram pedir ao forasteiro que os levasse ao cemitério e
repetisse a façanha.
O homem, satisfeito
com a fama que havia adquirido no seio daquele povo simples e ingênuo que o
tinha como um santo milagroso, e crente de que conseguiria repetir o estranho
feito, aceitou o pedido da comitiva. Partiram, então, imediatamente para o
lugar onde acorrera o fenômeno.
Era mais de meio-dia
quando chegaram ao local.
Ali o forasteiro
organizou todo o povo em círculo, no meio do cemitério. Apanhou a mesma caveira
que havia largado dias antes e, para impressionar a excitada plateia, gritou
com uma voz rouca e profunda.
- Caveira, quem a
matou?
Nada.
- Caveira, quem a
matou? – repetiu.
Outra vez, nenhuma
resposta. O povo, inquieto, começou a se rebelar e o homem, já nervoso,
explicou que antes a caveira só lhe respondera quando havia feito a pergunta
pela terceira vez. Todos, então, se acalmaram aguardando cheios de
expectativas. Já suado e nervoso, tornou a gritar:
- Vamos, caveira,
responda para esta gente! Quem a matou?
Mais uma vez, porém,
o silêncio foi a resposta.
Dessa vez um silêncio
mortal. O homem percebeu, assustado, a multidão que se sentiu ludibriada
caminhar em sua direção. Olhos vidrados, expressão furiosa nos rostos, andavam
lentamente, como uma turba de mortos-vivos. Pegavam o que podiam no chão: paus,
pedras, restos de cruzes, ossos. Enquanto fechando o cerco em redor do
assombrado estranho, esbravejavam, em coro, chamando-o de mentiroso, embusteiro
e enganador.
O povo enfurecido
parecia dominado por alguma força sobrenatural. Usando os objetos como armas,
investiu contra o forasteiro. Foi um massacre. Nada deteve a multidão, que, a
cada súplica do infeliz, parecia mais revoltada.
Depois do ataque,
cada agressor retirou-se do local. Lá abandonaram aos abutres o corpo do
forasteiro.
Quando, ao cair do
sol, o local voltou a ficar deserto e silencioso, a caveira, então, soltou uma
estridente gargalhada e disse:
- Eu não falei que a
língua matava?
Flávio
Moraes. Em: “Sete contos de arrepiar”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
CANTA,
CANTA, MEU SURRÃO
Esta história
aconteceu há muitos e muitos anos, num tempo em que os homens ainda se
encontravam com os anjos.
Mariazinha morava com
sua mãe, que era lavadeira. Naquele dia, a mãe juntou a roupa da semana, pegou
a filha pela mão e seguiu com a menina para a beira do rio. Quando lá chagaram,
outras lavadeiras já estavam no local. A tarde era fresca, e elas cantavam:
Encontrei Nossa
Senhora
Na beira do rio,
Lavando os paninhos
Do seu bento filho.
Nossa Senhora lavava;
São José estendia.
Menino chorava
Do frio que sentia.
Enquanto a mãe e as
companheiras lavavam as roupas ao som da canção, Mariazinha
brincava, pulando
de pedra em pedra. A água, muito convidativa, cantava também. A
menina resolveu
entrar no rio. Tirou seus brincos de ouro, colocando-os em cima de uma
pedra, e
mergulhou. A água era limpa como o céu e deixou a menina muito feliz.
Depois de se divertir
muito naquelas águas, começou a trilhar o caminho de volta, pois a
tarde caía e
sua mãe já devia estar preocupada. Quando estava quase chegando, lembrou
se dos
brincos! Voltou o mais rápido que pôde, à luz dos últimos raios de sol que
iluminavam o rio. Porém os brincos não estavam lá.
Na outra margem do
rio, havia um homem. Ele estava em pé, usava uma roupa escura e
balançava
qualquer coisa na mão direita. Meus brincos!, pensou a menina. O desconhecido
fez sinal com a outra mão para que ela fosse pegá-los. Mariazinha não titubeou,
atravessou
o rio. A noite já começava a se espalhar pelo céu, fazendo com que
ela mal pudesse
enxergar as pedras. Quando chegou à outra margem, viu que o
homem tinha na mão um
grande saco aberto, mas aí já era tarde... Num ímpeto,
ele agarrou a menina, jogou-a
dentro do saco... e a noite caiu.
Na beira do rio, as
lavadeiras já tinham recolhido toda a roupa lavada e voltado para casa.
Só a
mãe da menina torcia as mãos aflita e chamava:
- Mariazinha!
Mariazinha!
Quando a mãe, enfim,
soube que a filha não voltaria mais, agarrou a roupa e, com a alma
encharcada
de dor, voltou para casa.
Dentro da noite, um
homem caminhava com seu saco às costas. A menina era leve e
chorava baixinho.
Andaram por muito tempo. De manhã bem cedo, o homem pôs o saco no
chão e disse:
- Menina, agora você
é minha. Vai cantar todas as vezes que eu bater no saco com o meu
bordão. Eu
vou dizer: canta, canta, meu surrão! E você vai cantar. Vou ganhar muito
dinheiro.
Carregando o surrão,
o homem foi até a praça do mercado.
- Venham, senhoras e
senhores, venham todos ouvir o surrão que canta.
E o homem bateu no
saco:
- Canta, canta, meu
surrão! Se não eu lhe dou com a força do bordão!
E a menina cantou:
No meu surrão
ficarei,
No meu surrão
morrerei
Por causa dos brincos
de ouro
Que lá no rio deixei!
O público ficou
encantado com a beleza daquele canto triste.
E por meses a fio, o
homem andou com o seu saco às costas. A cada pancada, a menina
cantava:
No meu surrão
ficarei,
No meu surrão
morrerei
Por causa dos brincos
de ouro
Que lá no rio deixei!
Até que voltaram ao
começo, à cidadezinha perto do rio onde as lavadeiras trabalhavam.
Quis o
destino que o homem fosse parar bem na porta da casa da menina. A mãe, que já
tinha chorado mais lágrimas do que todas as águas do rio, para distrair sua
tristeza, quis
ouvir o surrão cantar:
No meu surrão
ficarei,
No meu surrão
morrerei...
Foi naquele momento
que sua garganta secou, seu sangue correu mais depressa e seu
coração se encheu
de amor. Era a voz de sua filha.
A
lavadeira era uma mulher sábia, por isso permaneceu calma e convidou o homem
para
almoçar. Mas, como acabara a farinha no instante em que fritava uns
bolinhos, pediu:
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
- O senhor podia
fazer o favor de ir à venda buscar um pouco de farinha?
Quando o homem saiu,
ela desamarrou o saco, tirou rapidamente a filha de lá de dentro e viu: a
menina estava tão pequenina e frágil que, como um passarinho, cabia toda no seu
colo.
- Mãe, faz tanto
tempo que eu não vejo o sol, mãe! Mãe, você é o meu sol.
As duas se abraçaram
e choraram. As lágrimas lavaram a noite que ainda estava nos olhos de
Mariazinha.
Mas a mãe tinha
pressa. O homem devia estar voltando. Escondeu a filha na cesta de roupa limpa,
pegou o saco vazio, levou até o quintal e foi colocando dentro toda espécie de
porcaria: cocô de penico, lagartixa morta, catarro de vizinho doente, banha de
fazer sabão, lavagem de porco, baba de cachorro, vômito de gente.
O homem voltou com a
farinha. A mãe acabou de fritar os bolinhos e pôs tudo na mesa. Uma garrafa de
vinho deixou o homem um pouco tonto, mesmo assim pôs seu saco às costas,
agradeceu e partiu. No final da tarde, chegou a uma cidadezinha onde havia um
burburinho na praça principal. Era um grupo de pessoas reunidas em volta de um
macaquinho que dançava e tirava a sorte num realejo.
Ótimo, pensou o
homem, o meu público já está reunido, é só começar o espetáculo.
- Venham, senhoras e
senhores, ouvir o surrão que canta. É o único em toda a face da Terra. Jamais
verão outro igual.
Logo todos se
esqueceram do macaco para ouvir tamanha novidade. O homem se pôs a frente do
público e bateu no saco:
- Canta, canta, meu
surrão! Se não eu lhe dou com a força do bordão!
Silêncio.
- Canta, canta, meu
surrão! Se não eu lhe dou com a força do bordão!
E o silêncio
continuava.
- Canta, canta,
surrão!
Nada. Nenhum som
saída lá de dentro. Então o homem bateu no saco de verdade, com toda a força.
- Canta, canta,
surrão!
Foi aí que
subitamente começou o espetáculo. Era tanta porcaria a sair do saco! O homem,
fora de si, não parava de bater: e era caco de vidro e era cocô de penico... e
era catarro e era baba... e era o homem gritando e era o público rindo... e era
o saco explodindo. O homem ficou soterrado debaixo de toda aquela porcaria. O
público foi saindo, saindo... ele ficou ali, abandonado. Até que a noite caiu.
Nunca mais ninguém ouviu falar dele.
Na beira da cama,
Mariazinha, banho tomado, camisola limpa, barriguinha cheia, ouve uma história.
O quarto está todo dourado de amor.
- Era uma vez uma
história do tempo em que os homens ainda se encontravam com os anjos...
José Mauro Brant. Em:
“Enquanto o sono não vem”.
A
NOITE DAS BRUXAS
Certa noite, bateram
à porta e uma tranquila dona de casa a abriu, deparando-se com um bando de
bruxas chifrudas, que entraram, uma atrás da outra. Quando a última delas
entrou, a dona de casa as contou e viu que, em sua sala, havia doze bruxinhas
chifrudas rindo e conversando sem parar. Tentou falar, mas percebeu que estava
muda: havia sido enfeitiçada. Nisso, uma bruxa lhe deu uma ordem:
- Estou com fome,
prepare um bolo.
A dona de casa
obedeceu.
Outra lhe disse:
- Estou com sede,
mulher, traga-me água do poço.
A dona de casa foi
até o poço carregando um balde. Quando se debruçou para apanhar água, ouviu uma
voz chamá-la. Era uma noite sem luar e ela não via ninguém. A voz lhe disse:
- Vá até o lado de
sua casa que aponta para o Norte e grite três vezes: “A montanha das bruxas
pegou fogo!”.
Ela cumpriu a ordem.
Quando as bruxas ouviram seus gritos, começaram a guinchar e rodopiar.
Apanharam as vassouras e sumiram no céu. Então, a dona de casa lembrou-se da
voz misteriosa. Quem a teria ajudado? E a voz lhe disse:
- Eu sou o Espírito
das Águas. Moro em seu poço e protejo a casa. Não pense que seus problemas
acabaram. As bruxas voltarão. Você precisa se preparar. Faça o seguinte: lave
os pés de seus filhos numa bacia e depois ponha a bacia com a água na soleira
da porta. Pegue o bolo em que as bruxas tocaram, dê um pedaço dele a seus
filhos e depois ponha-o também na soleira da porta. Por fim, coloque uma trava
de madeira na porta.
As bruxas retornaram
na mesma noite. Mas, quando chegaram à soleira da porta, viram a bacia com água
suja.
- Saia daí, água
suja! – gritaram.
- Não posso –
respondeu a água. – Derramei na grama, sou de quem me ama.
- Saia daí, trava de
madeira!
- Não posso! –
respondeu a trava. – Estou trancada, toda atravancada!
- Saia daí, bolo!
- Não posso –
respondeu o bolo. – Estou doce e cremoso. Sou todo do menino guloso.
As bruxas
desapareceram, mas deixaram cair um manto que ficou pendurado numa cerca. Já se
passaram quinhentos anos e o manto continua guardado num baú secreto, escondido
num quarto na casa dessa mesma família.
Heloísa
Prieto. Em: “Lá vem história”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
A
MORTE E O PESCADOR
Há muito tempo,
quando os bichos falavam e a Lua não vinha da Ásia, um pescador viveu
uma
tremenda fase de azar: por meses não conseguiu pegar nem mesmo uma sardinha. A
mulher dele alimentava os onze filhos com sopas de raízes e capim. Mas até as
raízes e o
capim estavam acabando. Então, pra completar, nasceu o filho número
doze.
O pescador olhou o
menino e disse, antes de ir para o mar:
- Se não pegar nada
hoje, desisto. Vou para a cidade. Com sorte arrumo um emprego.
Senão, viro
mendigo.
A mulher não disse
nada.
O pescador procurou
um lugar onde nunca tinha ido antes. Era perigoso, com rochas a
pique, as ondas
batendo com força. Ele preparou o anzol e o jogou o mais longe que pôde.
Na mesma hora sentiu
o peso na linha, o caniço vergando.
- Fisguei um – o
pescador disse alegre. – E é dos grandes.
Recolheu a linha com
todo o cuidado. Não era peixe, não, mas uma velha gadanha.
O pescador atirou a
gadanha numas moitas e resolveu continuar pescando. Mal o anzol foi
ao fundo, o
pescador sentiu o peso na linha e o caniço se vergando. Dessa vez não ficou
alegre. Simplesmente recolheu a linha.
Não era peixe, não,
mas um afogado, com uma veste preta como de monge.
O pescador
desenganchou o anzol.
- Coitado, sobrou
apenas o esqueleto.
O afogado respondeu:
- Bom dia. Eu sou a
Morte.
O pescador deu dois
passos para trás.
A Morte se levantou,
as vestes encharcadas grudadas nos ossos.
- Calma, pescador.
Ainda não é sua hora.
Encorajado o pescador
perguntou:
- O que você fazia no
fundo do mar?
- Tive muito trabalho
esta noite, num navio pirata. Ele naufragou bem ali. No meio da tormenta, perdi
a gadanha. Procurava por ela quando você me fisgou.
- Está ali – o
pescador disse, mostrando a moita.
A morte pegou a
gadanha, deu uma examinada e disse:
- Está perfeita.
Muito obrigada. Quero recompensar você. Precisa de alguma coisa?
- Olhe, preciso de
tanta coisa que nem sei o que dizer.
- Peça a mais
importante.
- Preciso de uma
madrinha para meu filho que nasceu hoje.
A Morte ficou
pensativa por um momento.
- Aceito. Como
presente para meu afilhado, dou um conselho a você: jogue seu anzol ali, onde
as duas ondas se encontram.
Dito isso, a Morte
foi embora. O pescador, sem entender, obedeceu. Mas não pegou
nenhum peixe. Só
sacos com moedas de ouro – doze sacos, como se fosse uma para cada
filho.
Rico com o tesouro do
pirata, o pescador deu uma grande festa para o filho menor. A Morte
compareceu.
Não aceitou nem um doce, nem uma bebida – batizou o menino e foi embora.
Na
saída, disse ao pai:
- Se ele precisar de
alguma coisa, me chame.
Não precisou. O
menino era saudável, alegre e muito traquinas.
Passaram-se tantos
anos que o pescador até se esqueceu da comadre. Uma tarde,
passeando pela
praia, viu alguém sobre uma duna, as vestes pretas abanando ao vento.
Quando
chegou mais perto reconheceu a gadanha na mão direita, contra o céu.
- Então, comadre, há
quanto tempo.
- Eu esperava por
você.
- Chegou a minha
hora?
- Chegou.
- Posso pedir um
favor, já que somos compadres?
- Depende. Se for
coisa rápida...
- Gostaria de rezar,
antes que você me levasse.
- Pode rezar.
- Me leva só depois,
comadre?
- Só depois.
- Pai Nosso que... –
o pescador disse e se calou.
- E o resto,
compadre?
- O resto eu digo
outra hora.
- Você sabe que não
adianta tentar me enganar – a Morte disse.
- Sei, sei. Mas a
vida tem sido boa. Ainda tenho muita coisa pra fazer.
- Então até daqui a
pouco, compadre.
A Morte se virou e sumiu
atrás da duna.
O pescador voltou
para casa, pensando sem parar. Não sabia mais como viver. Fazia tudo que lhe
desse na cabeça ou continuava do mesmo jeito? Devia retardar sua morte por um
ano ou dez, por dez ou cem?
Estava tão distraído
que tropeçou num morto, na praia.
- Pobre homem – o
pescador disse. – Morreu afogado.
E, sem nem se dar
conta, rezou por ele. Quando disse a última palavra, o morto se
levantou. Era a
Morte.
- Vamos, compadre.
Ernani
Ssó. Em: “Contos de morte morrida: narrativas do folclore”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
MARIA
ANGULA
Maria Angula era uma
menina alegre e viva, filha de um fazendeiro de Cayambe. Era louca por uma
fofoca e vivia fazendo intrigas com os amigos para jogá-los uns contra os
outros, Por isso tinha fama de leva-e-traz, linguaruda, e era chamada de moleca
fofoqueira.
Assim viveu Maria
Angula até os dezesseis anos, dedicada a armar confusão entre os vizinhos, sem
ter tempo para aprender a cuidar da casa e preparar pratos saborosos.
Quando Maria Angula
se casou, começaram os seus problemas. No primeiro dia, o marido pediu-lhe que
fizesse uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor ideia de como
prepará-la.
Queimando as mãos com
uma mecha embebida em gordura, acendeu o carvão e levou ao fogo um caldeirão
com água, sal e colorau, mas não conseguiu sair disso: não fazia ideia de como
continuar.
Maria lembrou-se
então de que na casa vizinha morava dona Mercedes, cozinheira de mão cheia, e,
sem pensar duas vezes, correu até lá.
- Minha cara vizinha,
por acaso a senhora sabe fazer sopa de pão com miúdos?
- Claro, dona Maria.
É assim: primeiro coloca-se o pão de molho em uma xícara de leite, depois
despeja-se este pão no caldo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.
- Só isso?
- Só, vizinha.
- Ah – disse Maria
angula -, mas isso eu já sabia! – E voou para sua cozinha a fim de não
esquecer a receita.
No dia seguinte, como
o marido lhe pediu que fizesse um ensopado de batatas com toicinho, a história
se repetiu:
- Dona Mercedes, a
senhora sabe como se faz o ensopado de batatas com toicinho?
E como da outra vez,
tão logo a sua boa amiga lhe deu todas as explicações, Maria Angula exclamou:
- Ah! É só? Mas
isso eu já sabia! – E correu imediatamente para a casa a fim de prepará-lo.
Como isso acontecia
todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando. Maria Angula vinha sempre
com a mesma história: “Ah, é assim que se faz o arroz com carneiro? Mas isso
eu já sabia! Ah, é assim que se prepara a dobradinha? Mas isso eu já
sabia!” Por isso a mulher decidiu dar-lhe uma lição e, no dia seguinte...
- Dona Mercedinha!
- O que deseja, dona
Maria?
- Nada, querida, só
que o meu marido quer comer no jantar um caldo de tripas e bucho e eu...
- Ah, mas isso é fácil
demais! – disse dona Mercedes. E antes que Maria Angula a interrompesse,
continuou:
- Veja: vá ao
cemitério levando um facão bem afiado. Depois espere chegar o último defunto do
dia e, sem que ninguém veja, retire as tripas e o estômago dele. Ao chegar em
casa, lave-os muito bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Depois de ferver
uns dez minutos, acrescente alguns grãos de amendoim e está pronto. É o prato
mais saboroso que existe.
- Ah! – disse como
sempre Maria Angula. – É só? Mas isso eu já sabia!
E, num piscar de
olhos, estava ela no cemitério, esperando pela chegada do defunto mais
fresquinho. Quando já não havia ninguém por perto, dirigiu-se em silêncio à
tumba escolhida. Tirou a terra que cobria o caixão, levantou a tampa e... Ali
estava o pavoroso semblante do defunto! Teve ímpetos de fugir, mas o próprio
medo a deteve ali. Tremendo dos pés à cabeça, pegou o facão e cravou-o uma,
duas, três vezes na barriga do finado e, com desespero, arrancou-lhe as tripas
e o estômago. Então voltou correndo para casa. Logo que conseguiu recuperar a
calma, preparou a janta macabra que, sem saber, o marido comeu lambendo-se os
beiços.
Nessa mesma noite,
enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns gemidos nas
redondezas. Ela acordou sobressaltada. O vento zumbia misteriosamente nas
janelas, sacudindo-as, e de fora vinham uns ruídos muito estranhos, de meter
medo a qualquer um.
De súbito, Maria
Angula começou a ouvir um rangido nas escadas. Eram os passos de alguém que
subia em direção ao seu quarto, com um andar dificultoso e retumbante, e que se
deteve diante da porta. Fez-se um minuto de eterno silêncio e logo depois Maria
Angula viu o resplendor fosforescente de um fantasma. Um grito surdo e
prolongado paralisou-a.
- Maria Angula,
devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha sepultura!
Maria Angula
sentou-se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto medo, viu
a porta se abrir, empurrada levemente por essa figura luminosa e descarnada.
A mulher perdeu a
fala. Ali, diante dela, estava o defunto, que avançava mostrando-lhe o seu
semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
- Maria Angula,
devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha sepultura!
Aterrorizada,
escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente sentiu umas
mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na gritando:
- Maria Angula,
devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha sepultura!
Quando Manuel
acordou, não encontrou mais a esposa e, muito embora tenha procurado por ela em
toda parte, jamais soube do seu paradeiro.
Conto da tradição
oral equatoriana, versão de Jorge Renán de La Torre.
Em:
“Contos de Assombração”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
DANÇANDO
COM A MORTE
A viúva estava na
cozinha com o filho, contando feliz o dinheiro que tinha encontrado debaixo do
colchão, quando o marido, falecido fazia meses, apareceu e veio sentar-se à
mesa com eles. A mulher não se intimidou:
- O que é que você
está fazendo aqui, seu miserável?! Me dá paz! Você está morto! Trate de voltar
para debaixo da terra.
- Nem pensar – disse
o morto. – Estou me sentindo vivinho.
A mulher mandou o
filho buscar um espelho. Entregou ao morto para que ele visse a sua cara de
cadáver.
- É... Estou abatido.
Deve ser falta de exercício – disse o falecido.
E mandou o filho
buscar a sanfona, e convidou a mulher para dançar. Ela, é claro, não quis saber
de dançar com o defunto, que cheirava pior que gambá.
O morto nem ligou.
Começou a dançar sozinho. De repente a mulher viu que um dedo dele estava
caindo, e ordenou:
- Toca mais rápido,
menino!
Assim que o ritmo se
acelerou, caiu outro pedaço.
- Mais depressa, que
eu também vou dançar – ela resolveu.
E começou a requebrar
e saltar e jogar a perna para o alto e balançar a saia.
O marido, animado,
tratava de acompanhar as piruetas da mulher, e enquanto isso o corpo dele
desmoronava. Até que só ficou a caveira pulando no chão, batendo o queixo.
A mulher caprichou
uma pirueta, a caveira imitou e o queixo desmontou. Pronto.
Mais que depressa, a
mulher mandou o filho buscar um baú para guardar os pedaços do marido:
- Põe tudo que é
dele, filho. Tudo. Que eu vou procurar uns pregos e um martelo.
Dali a pouco ela
voltou e caprichou nas marteladas, para que o morto nunca mais escapulisse.
Enterraram o defundo
de novo. Depois jogaram bastante cimento em cima.
Só no dia seguinte a
viúva lembrou do dinheiro do marido, que ele tinha deixado em cima da mesa.
- Cadê!?!
- Uai, mãe! Não era
para guardar no baú tudo que fosse dele?
Angela-Lago. Em:
“Sete histórias para sacudir o esqueleto”.
O
LOBISOMEM BONDOSO
Na antiga França
vivia um menino que adorava passear ao luar. Para ele, a noite era um período
mágico e, embora seus pais não gostassem desses passeios, quando a lua estava
cheia, ele não conseguia ficar em casa. Foi justamente numa dessas noites que
acabou chegando ao bosque das bruxas. Ele estava caminhando pela mata quando
ouviu uma estranha melodia e resolveu descobrir de onde ele vinha. Porém, nesse
instante uma sombra passou por ele. O menino virou-se a tempo de ver o que era:
um homem imenso, todo peludo, com cabeça de lobo – um lobisomem!
Morrendo de
curiosidade, o garoto deixou o medo de lado e seguiu o lobisomem floresta
adentro. Viu-o dirigir-se até uma clareira onde havia um estranho círculo e,
dentro dele, bruxas horríveis dançavam sem parar. Era o sabá, a terrível
reunião das bruxas. Serpentes de fogo desciam dos céus, dragões imensos
sobrevoavam as bruxas, sapos caíam por terra. O menino começou a ficar com
medo. “E se uma delas me descobrir? Será que serei comido vivo?, pensou. E
nesse momento a lua brilhou com tanta intensidade que ele pôde reconhecer o
lobisomem: era Jean, o ferreiro da vila.
O susto foi tão
grande que o menino ficou paralisado quando o lobisomem o viu de longe e
depressa aproximou-se dele. O garoto tinha certeza de que seu fim havia
chegado, de que seus pais tinham razão, ele deveria ter ficado em casa, mas
quando Jean lhe dirigiu a palavra, teve ainda outra surpresa:
- Calma, garoto. Eu
vim para ajudá-lo. Não quero que você se torne um prisioneiro das bruxas como
eu. Sabe, elas podem se tornar muito lindas. Eu me apaixonei por uma delas e,
quando percebi o que estava acontecendo, era tarde demais. Agora sou metade
homem, metade animal. Mas, nesses anos de feitiço, pude ver e aprender muitos
dos truques das bruxas. Sei que só uma criança pode me libertar do feitiço do
lobisomem. Você me ajuda?
O menino concordou em
ajudar seu pobre amigo e os dois elaboraram um plano. Depois, o lobisomem o
levou de volta para casa. Na noite seguinte, o garoto regressou à clareira para
cumprir o combinado. O lobisomem apareceu e lhe entregou uma espada mágica:
- Você deve me ferir
na frente da rainha das bruxas, meu amiguinho. Eu ficarei parado à espera de
seu golpe. Mas você precisará de coragem para atravessar o círculo do mal.
Em seguida, o
lobisomem desapareceu e o menino se viu sozinho, na mata cheia de bruxas,
apenas com uma espada na mão. Mesmo assim, ele caminhou corajosamente até
clareira. Ouviu a mesma estranha melodia e viu os mesmos seres tenebrosos
sobrevoando a dança das bruxas. Continuou a caminhar e permitiu que as bruxas e
monstros o avistassem.
- Uma criança! –
gritou uma delas. – Hoje teremos um belo jantar!
Apavorado, o menino
respirou fundo e continuou a caminhar. A gritaria era terrível e seus cabelos
foram quase queimados pelas chamas dos dragões, mas mesmo assim ele prosseguiu
até encontrar seu amigo, o bom lobisomem, sentado diante da mais medonha das
bruxas. Sem dizer uma única palavra, o menino levantou a espada e fez um
pequeno corte no braço do lobisomem. No mesmo instante, desapareceu tudo.
- Você me salvou, meu
menino! Você quebrou o feitiço! – disse o ferreiro, emocionado.
E foi assim que um
pequeno menino libertou um forte ferreiro do feitiço da rainha das bruxas, por
quem um dia ele havia se apaixonado.
Heloísa Prieto. Em:
“Lá vem história outra vez”. (História do folclore francês)
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
GASPAR,
EU CAIO!
Noite escura no mato.
Estrada de terra sem vivalma. O vento gemendo pelos galhos e as nuvens passando
nervosas, querendo chover. Um homem vem vindo lá longe. Devagarinho. Sem lua
nem estrela para iluminar a viagem. Vem de sacola pendurada no ombro e, na mão,
um pau de matar cobra.
Trovoada. Os pingos
da chuva principiam a cair. O viajante aperta o passo. Na curva, dá com uma
casa abandonada. Cai um raio de despedaçar árvore. A chuva aperta. Na porta da
tapera tem uma cruz desenhada. O homem não quer saber de nada. Mete o pé na
porta e entra.
Dentro, um pouco de
tudo. Pedaços de mobília, tigelas, troços e trecos jogados no escuro.
O viajante faz fogo.
Agachado, tira um
pedaço de carne da sacola e bota para assar. Está morto de fome. Deita no chão
e solta o corpo, esperando a comida ficar pronta.
A chuva vai
minguando. O mato fica quieto.
De repente, o telhado
range. De lá de cima, um gemido rabisca o ar:
- Gaspar!
O homem estremece.
Aperta os dentes. A luz do fogo é fraca. Não dá para ver nada.
A voz chama e chama.
- Gaspar!
Já passa da
meia-noite. Quem será? A voz insiste:
- Gaspar!
O viajante pensa em
fugir. Mas, e a carne? E o frio? E a chuva ameaçando cair? Encolhido num canto,
o homem arrisca:
- Quem está aí?
A voz, no telhado,
continua grossa:
- Gaspar!
- Quem está aí?
- Gaspar!
- Quem está aí? –
pergunta o homem.
A voz então diz: -
Gaspar... Eu caio!
- Pois caia! –
responde o viajante.
Estrondo. Espanto.
Uma coisa despenca lá de cima – catapram – e caio no chão.
Os olhos do homem
crescem de pavor.
É um pé. A ossada de
um pé. E vem com os dedos mexendo!
A voz boia no ar:
- Gaspar!
O homem treme.
- Eu caio!
- Pois caia! – grita
o homem de novo.
Catapram. Vem outro
pé. Cai e vai se arrastando para junto do primeiro.
- Gaspar!
O viajante respira
curto. A cada resposta sua, desabam do forro pernas, coxas, tronco, braços e
mãos de um esqueleto que vai se formando no chão.
O esqueleto começa a
dançar.
A luz do fogo desenha
sombras estranhas no casebre.
- Gaspar! Gaspar!
Gaspar!
A voz grossa voa cada
vez mais alto.
- Eu caio!
- Pois caia! – berra
o viajante, sentindo sua hora chegar.
E então – ploct – uma
cabeça cai lá do alto.
Meio de medo, meio de
raiva, o homem chuta a caveira longe.
O corpo descarnado
fica zangado. Para a dança, agacha e cuidadoso, enfia o crânio no pescoço.
Depois, lambuza a carne que assa o fogo com seu cuspe escuro.
O sangue do viajante
ferve. Estava morto de fome. A carne era tudo o que havia para comer. O homem
cata o pau de matar cobra.
- Pra mim chega! - De
olhos fechados, mergulha sobre o esqueleto dando soco e pancada. O morto
gargalha. Os dois rolam atracados pelo chão da tapera.
A luta vara a noite.
O homem bate, chora e sangra. O esqueleto range os dentes.
Os dois quebram tudo,
apagam o fogo com o corpo e vão parar do lado de fora, rugindo na lama.
O tempo passa. Um
golpe seco estala no mato. Silêncio.
O morto suspira e
cai.
O viajante continua
de pé, vitorioso. Passa o braço machucado sobre o rosto.
Do chão, a caveira
pede para o homem cavar um buraco no pé de uma árvore.
O homem responde:
- Nem nunca!
Em seguida, vai até a
árvore e trepa num galho bem alto.
Abatido, o esqueleto
pega e cavuca ele mesmo. Tira do buraco fundo um tacho cheio de ouro e prata.
Depois, olhando para o homem pendurado na árvore, solta um gemido e some no
vento.
O viajante fica onde
está. Manhã nascendo no mato. Seu peito mexe com força, indo e vindo. Olha as
mãos sujas de sangue. Estrada de terra sem vivalma. A roupa rasgada. O suor. O
sol avermelhado sopra uma brisa quente entre as folhagens. O homem sente o
corpo doído e leve. Olha a tapera. Tem vontade de rir, cantar, conversar com
alguém. Salta aliviado do galho, junta as coisas e vai embora.
Ricardo Azevedo. Em:
“Meu livro de folclore”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
KIBUNGO
As histórias do
Kibungo também eram para assustar as crianças menores, mas eram tão
assustadoras que até nós, os maiores, ficávamos com medo.
Era uma vez um homem
que tinha três filhos. Ele morava lá pras bandas do Juazeiro, na Bahia.
Um dia, quando ele
saiu pra trabalhar, achou por bem dizer à mulher que não abrisse a porta pra
ninguém:
- Viu, mulher, andam
dizendo que o Kibungo anda por aqui, atrás de menino pra comer. Tome cuidado
porque o bicho é esperto.
E lá se foi o homem
trabalhar no roçado.
A mulher fechou bem a
porta e disse aos meninos que não saíssem de casa por nada, que o tal bicho
andava por lá. Os três meninos morriam de medo dele, pois quem já tinha topado
com o bicho dizia que ele era a coisa mais feia e assustadora do mundo:
- Um bicho grande,
metade homem, metade animal, que tem uma cabeça enorme. Ele não tem boca, o que
tem é um buraco nas costas, onde joga os meninos que come. O Kibungo abaixa a
cabeça, pega o menino e joga nas costas, certinho dentro do buraco, que faz a
vez de boca.
Aconteceu de a mulher
do homem precisar ir ao quintal pra lavar roupa, e na hora exatinha em que ela
abriu a porta deu com um bicho enorme se aproximando da casa. Tentou fechar a
porta, mas o medo era tanto que ela ficou paralisada. O Kibungo, esperto feito
uma raposa, não entrava em casa de gente sem saber quem é que estava dentro,
pois ele morria de medo de levar um tiro de espingarda. Primeiro ele fingia que
era de paz e tentava emendar uma prosa com a pessoa:
- Mulher, de quem é
essa casa?
E a mulher respondeu:
- É do meu marido.
E o Kibungo
continuou:
- E de quem são esses
filhos que estão lá dentro?
E a mulher respondeu:
- São meus.
Então ele disse:
- Quero comê-los!
E a mulher, já
enfeitiçada, respondeu:
- Pode comer!
E o Kibungo esticou
os braços enormes, pegou os três de uma só vez, jogou no buraco das costas e
comeu. Depois perguntou à mulher:
- E você, mulher, de
quem é?
A pobre respondeu:
- Sou do meu marido.
E a fera falou:
- Então vou comê-la
também.
E assim fez: agarrou
a mulher e quando ia jogá-la nas costas, dentro do buraco, chegou o marido,
armado com uma espingarda. O Kibungo, morrendo de medo, entrou na casa,
pensando em fugir pela porta dos fundos. Acontece que a casa do homem só tinha
uma porta, e o homem deu muitos tiros de espingarda na fera, que morreu na
hora.
Então, o homem olhou
dentro do buraco nas costas do Kibungo e viu que os filhos ainda estavam vivos.
Retirou todos os três lá dentro e acabou-se a história.
Georgina Martins. Em:
“Quem mandou não acreditar”. Coleção Conte Reconte.
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DEIXA DE LENGALENGA
E VEM CONTAR
PATRÍCIA GÓES E
FÁTIMA FRANÇA
BREVE
COMENTÁRIO SOBRE CULTURA POPULAR
O Brasil é um país
imenso cheio de gente que viaja para lá e para cá. Muitas pessoas saem do
Nordeste para viver no Pará, Santa Catarina, Tocantins, Rio de Janeiro,
Rondônia, Amapá, Goiás e outros lugares. Famílias inteiras partem da região Sul
e vão morar no Ceará, Maranhão, Pernambuco ou Amazonas. Tem gente nascida em São
Paulo ou Minas Gerais em quase todos os estados brasileiros. Muitos
paranaenses, baianos, alagoanas, capixabas, sergipanos, cariocas e acreanos
fazem a mesma coisa. Essas pessoas sempre partem com o sonho de construir uma
vida melhor. Além de roupas e objetos pessoais, levam na bagagem sua cultura
regional, ou seja, suas tradições, seu jeito de falar, as lembranças, as
histórias que ouviram na infância, os versinhos e as adivinhas que aprenderam
com as avós, as crenças, as brincadeiras e até o modo de preparar as comidas.
É preciso lembrar que
boa parte dessas tradições veio de longe, de Portugal, da África, de outros
países da Europa e até da Ásia. Mas também veio de perto; das culturas de
nossos vários povos indígenas. No fundo, a chamada cultura popular brasileira é
formada por várias e várias culturas regionais (nunca esquecendo que numa mesma
região convivem diversas culturas), nascidas, basicamente, a partir de
tradições europeias, africanas e indígenas, espalhadas e misturadas pelo país
afora. Isso faz com que seja possível ouvir a mesma história no Rio Grande do
Norte e no Rio Grande do Sul. Encontrar pessoas preparando um típico prato
mineiro em Roraima ou no Piauí. Ou assistir a uma dança gaúcha em pleno Mato
Grosso. Ou a uma cantoria paraibana nas ruas de São Paulo. Essa maravilhosa
misturança cultural é o Brasil. Por causa dela, nosso país tem a unidade que
tem, fala a mesma língua e se entende tão bem.
Texto retirado do
livro “Cultura da Terra” de Ricardo Azevedo.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
OFICINA:
DEIXA DE LENGALENGA E VEM CONTAR
1º MOMENTO: Iniciar com apresentação de um baú. E comentar sobre o
tesouro que contem. Instigar o grupo a descobrir que espécie de riqueza há
nele. Pedir a um participante que abra o baú permitindo que todos se apropriem
do conteúdo. Comentar sobre as riquezas. No interior do baú entre “moedas de
ouro e joias” encontrarão vários contos acumulativos e facécias que são uma
herança de todos os povos.
2º MOMENTO: Em duplas, os participantes farão a leitura dos contos
(facécias e acumulativos). Divisão dos grupos de acordo com as espécies de
contos.
3º MOMENTO: Um grupo irá participar de uma contação de história - grupo A
- feita por Fátima França (“A velha furunfunfelha”) e outro grupo verá um
vídeo: “A velha a fiar” (considerado o primeiro videoclipe brasileiro) – Grupo
B.
Link para o vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=JzCMGI7VCv8
4º MOMENTO: O grupo A deverá escolher um conto para apresentação em
quadros vivos com a presença de um narrador.
5º MOMENTO: Já o grupo B assistirá ao vídeo e fará uma apresentação do
conto com mímicas ou com desenhos, gravuras feitos pelos participantes.
Variante da Proposta: Produzir um conto acumulativo usando os elementos da
cartela e transformá-lo em um conto autoral. Incluir durante a contação músicas
ou gestos.
6º MOMENTO: Sorteio de livros e distribuição de lembranças.
“Cultura Popular é aquela que até certo ponto nós nascemos
sabendo.
Qualquer um de nós é
mestre que sabe, conta mitos, lendas, versos,
superstições, que sabe fazer, cantar, apertar a mão, bater
palmas e tudo
quanto caracteriza a cultura anônima e coletiva.”
(Fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/leituras)
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
FACÉCIAS
São histórias que o
povo conta, ingênuas, engraçadas, por vezes com nuances de crueldade.
Caracteriza a Facécia não apenas o humorismo, mas as situações imprevistas,
materiais e morais. A constante psicológica será a imprevisibilidade, o
imprevisto do desfecho, da palavra ou da atitude do personagem. Nelas aparecem
o dito jeitinho, absurdos, busca por justiça, muitas vezes preconceitos. No
dicionário a palavra facécia significa Chiste, graça, brincadeira, pilhéria.
Esses contos foram registrados por Câmara Cascudo, em especial, no livro:
“Facécias: Contos Populares Divertidos”.
O
CEGO QUE NÃO ERA BOBO
Era uma vez um cego
que andava mendingando de porta para poder sobreviver. Muito prudente, do pouco
que ganhava ainda conseguia economizar algumas moedas, que enterrava nos fundos
de sua casinha, junto à raiz de um carvalho.
Um dia, seu vizinho
percebeu que ele escondia ali alguma coisa. Sorrateiro, à noite, o espertalhão
foi até lá, cavou a terra e roubou as moedas.
Dali a uns dias ,
quando o cego voltou ao local para acrescentar uma moeda ao seu tesouro,
descobriu o furto. Indignado, quis gritar, mas controlou-se; de nada adiantaria
lamentar-se. Em vez disso, voltou para casa e começou a pensar numa maneira de
recuperar seu dinheiro. Desconfiou de que o ladrão só poderia ser o vizinho e
armou um plano para enganá-lo.
Na manhã seguinte,
procurou-o, dizendo assim:
- Caro vizinho, estou
numa grande dúvida e pensei que você poderia aconselhar-me. Acontece que hoje
fiquei sabendo que herdei de uma velha tia uma fortuna em moedas de ouro. Eu
tenho um esconderijo secreto onde guardo minhas economias, mas não sei se lá é
um lugar seguro, a salvo de ladrões. Você não acha que talvez fosse melhor
entregar essa fortuna para o vigário da aldeia guardar?
Os olhos do vizinho
piscaram de cobiça. E já pensando em pôr as mãos em todo tesouro, assegurou ao
cego que o melhor seria guardar tudo junto no esconderijo, com certeza um lugar
muito seguro, sim!
O cego agradeceu o
conselho e partiu para a aldeia, dizendo que ia buscar uma herança. Sem perder
tempo, o vigarista recolocou o que furtara no buraco ao pé da árvore; cobriu
tudo com terra e foi embora.
Dali a pouco o cego
voltou e, conforme esperava, encontrou no lugar de sempre as suas preciosas
moedas.
À noite, quando o
vizinho ladrão retornou, só encontrou ao pé do carvalho um buraco vazio, tão
vazio quanto sua pobre cabeça de tolo...
Rosane Pamplona. Em: “Novas Histórias Antigas”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
A
GULOSA DISFARÇADA
Um homem casara com
excelente mulher, dona de casa arranjadeira e honrada, mas muito gulosa.
Para disfarçar seu
apetite, fingia-se sem vontade de alimentar-se sempre que o marido a convidava
nas refeições. Apesar desse regime, engordava cada vez mais e o esposo admirava
alguém poder viver com tão pouca comida. Uma manhã, resolveu certificar-se se a
mulher comia em sua ausência. Disse que ia para o trabalho e escondeu-se num
lugar onde podia acompanhar os passos da esposa.
No almoço, viu-a
fazer umas tapiocas de goma, bem grossas, molhadas no leite de coco, e comê-las
todas, deliciada. Na merenda, mastigou um sem-número de alfenins finos,
branquinhos e gostosos. Na hora do jantar matou um capão, ensopou-o em molho
espesso, saboreando-o. À ceia, devorou um prato de macaxeiras, enxutinhas,
acompanhando-as com manteiga.
Ao anoitecer, o
marido apareceu, fingindo-se fatigado. Chovera o dia inteiro e o homem estava
como se estivesse passado, como realmente passara, o dia à sombra. A mulher
perguntou:
- Homem, como é que
trabalhando na chuva você não se molhou?
O marido respondeu:
- Se a chuva fosse
grossa como as tapiocas que você almoçou, eu teria vindo ensopado como o capão
que você jantou. Mas a chuva era fina como os alfenins que você merendou e eu
fiquei enxuto como as macaxeiras que você ceou.
A mulher compreendeu
que fora descoberta em seu disfarce e não mais escondeu o seu apetite ao
marido.
Leopoldino Viana de
Melo de Macaíba – Rio Grande do Norte.
Recolhido por Luís da
Câmara Cascudo. Em: “Contos tradicionais do Brasil”.
O
VELHO E O TESOURO DO REI
(Rio de Janeiro)
Havia em um lugar um
homem velho muito pobre, tão pobre que não tinha o que comer.
Um dia roubaram o
tesouro do rei, e este disse que quem adivinhasse a pessoa que o tinha roubado,
ganharia uma grande soma de dinheiro. Levantaram um falso ao velho muito pobre,
e foram dizer ao rei que ele tinha dito que sabia quem havia roubado o tesouro.
O rei mandou-o chamar, e deu-lhe três dias para adivinhar, sob pena de morte.
Ficou o pobre homem
em palácio, com ordem de comer do bom e do melhor. Logo no primeiro dia apareceu
um criado que serviu de muito bons manjares, e o homem comeu até não poder
mais. Quando acabou, virou-se para o criado e disse: Graças a Deus, que já vi
um. “Isto foi referindo-se ao bom passadio, pois na sua vida era aquele o
primeiro dia que ele tinha comido melhor.
O criado, que era um
dos cúmplices do roubo, ficou muito espantado e foi dizer aos outros dois
companheiros o que tinha ouvido do velho. Então assentaram que no outro dia
iria outro criado servir ao velho, para ver o que ele dizia. Com efeito, depois
de ter comido e bebido bem no segundo dia, diz o velho para o criado: “Graças a
Deus que já vi três.” Aí o criado ajoelhou-se aos pés do pobre homem e declarou
que com efeito tinham sido eles que tinham roubado o tesouro do rei, mas que ele
guardasse segredo, que eles prometiam entregar toda a quantia.
O velho, que estava
condenado à morte, assim que se viu senhor do segredo, jurou não declarar quem
tinha feito o roubo e foi logo entregar o tesouro ao rei. Este ficou muito
contente e recompensou o velho com uma grande soma de dinheiro.
Os criados, por sua
vez, não fizeram mais outro roubo, com medo de serem descobertos.
Sílvio Romero. Em: “Contos Populares do Brasil.”
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
O
CABOCLO, O PADRE E O ESTUDANTE
Um estudante e um
padre viajavam pelo sertão, tendo como bagageiro um caboclo. Deram-lhe numa
casa um pequeno queijo de cabra. Não sabendo como dividi-lo, mesmo porque
chegaria um pequenino pedaço para cada um, o padre resolveu que todos dormissem
e o queijo seria daquele que tivesse, durante a noite, o sonho mais bonito,
pensando engabelar todos com os seus recursos oratórios. Todos aceitaram e
foram dormir. À noite, o caboclo acordou, foi ao queijo e comeu-o.
Pela manhã, os três
sentaram à mesa para tomar café e cada qual teve de contar o seu sonho. O frade
disse ter sonhado com a escada de Jacob e descreveu-a brilhantemente. Por ela,
ele subia triunfalmente para o céu. O estudante, então, narrou que sonhara já
dentro do céu à espera do padre que subia. O caboclo sorriu e falou:
- Eu sonhei que via
seu padre subindo a escada e seu doutor lá dentro do céu, rodeado de amigos. Eu
ficava na terra e gritava:
- Seu doutor, seu
padre, o queijo! Vosmincês esqueceram o queijo.
Então, vosmincês
respondiam de longe, do céu:
- Come o queijo,
caboclo! Come o queijo, caboclo! Nós estamos no céu, não queremos queijo.
O sonho foi tão forte
que eu pensei que era verdade, levantei-me, enquanto vosmincês dormiam, e comi
o queijo...
Gustavo Barroso, Ceará.
Recolhida por Luís da
Câmara Cascudo. Em: “Contos Tradicionais do Brasil”.
OS
OVOS COZIDOS
Um homem hospedou-se
numa casa, no meio de uma caminhada. Só havia ovos para comer e ele mandou
cozinhar meia dúzia. Depois de fartar-se foi dormir e saiu pela madrugada sem
pagar os ovos. Lá adiante lembrou-se que não havia pago, mas já não podia
voltar, tal a distância percorrida. Então fez voto de botar o dinheiro dos ovos
para render.
Muito tempo depois
voltou àquela mesma casa e pagou os ovos e mais os lucros. A mulher não quis
receber, dizendo que os ovos tinham (teriam) rendido mais.
Teima daqui, teima
dali, resolveram botar a questão na mão do juiz. Constituíram advogado; o
advogado do homem honesto chegou à audiência atrasado, alegando que estava cozinhando
milho para plantar. Admiraram-se muito que ele cozinhasse milho para plantar
pois não haveria de nascer e produzir. Ele disse: “E quem já viu ovos cozidos
produzir?” Ganhou a questão.
Contada por Antônio
Pacífico Gomes, de São José de Mipibu,
em casa de minha
sogra Maria do Carmo Araújo.
Recolhida por Celso da Silveira. Em: “O macaco e suas
histórias maravilhosas”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
CONTOS
ACUMULATIVOS
Alguns pesquisadores
chamam também de Contos Cumulativos ou Histórias Encadeadas. São contos em que
os episódios são sucessivamente articulados. Também denominados “lengalenga”,
são contos nos quais as sequências narrativas se repetem e se encadeiam com
acréscimos e recorrências de alguns elementos, sempre na mesma ordem, até o
fim. Por isso são conhecidos de “contos de nunca mais acabar”. Eles têm
características de uma longa parlenda, contada e recontada para divertir as
crianças.
O
MACACO E O RABO
(Sergipe)
Um macaco uma vez
pensou em fazer fortuna. Para isso foi-se colocar por onde tinha de passar um
carreiro com seu carro. O macaco estendeu o rabo pela estrada por onde deviam
passar as rodeiras do carro. O carreiro, vendo isto, disse: “Macaco, tira teu
rabo do caminho, que eu quero passar.” – “Não tiro”, respondeu o macaco. O
carreiro tangeu os bois, e o carro passou por cima do rabo do macaco, e
cortou-o fora. O macaco, então, fez um barulho muito grande: “Eu quero meu
rabo, ou então me dê uma navalha...” O carreiro lhe deu uma navalha, e o macaco
saiu muito alegre a gritar: “Perdi meu rabo! Ganhei uma navalha!... Tinglin,
tinglin, que vou para Angola!...” Seguiu. Chegando adiante, encontrou um negro
velho, fazendo cestas e cortando os cipós com o dente.
O macaco: “Oh! Amigo
velho, coitado de você!...Ora, está cortando os cipós com o dente! tome esta
navalha.” O negro aceitou, e, quando foi partir um cipó, quebrou-se a navalha.
O macaco abriu a boca no mundo e pôs-se a gritar: “Eu quero a minha navalha! Ou
então me dê um cesto!” O negro velho lhe deu um cesto e ele saiu muito contente
gritando: “Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um
cesto...Tinglin, tinglin, que vou pra Angola!”
Seguiu. Chegando
adiante, encontrou uma mulher fazendo pão e botando na saia. “Ora, minha sinhá,
fazendo o pão e botando na saia! Aqui está um cesto.” A mulher aceitou, e ,
quando foi botando os pães dentro, caiu o fundo do cesto. O macaco abriu a boca
no mundo e pôs-se a gritar: “Eu quero o meu cesto, quero o meu cesto, senão me
dê um pão!” A mulher deu-lhe o pão, e ele saiu muito contente a dizer: “Perdi
meu rabo, ganhei a navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto, perdi meu
cesto, ganhei um pão!...O meu pão eu vou comer! Tinglin, tinglin, que vou pra
Angola!...” E foi comendo o pão.
Sílvio Romero. Em:
“Contos Populares do Brasil”.
UMA
ESTÓRIA SEM FIM
Um fazendeiro muito
rico tinha um bando de patos em número que não se podia contar. Numa manhã, o
menino encarregado de levar os patos para a lagoa encontrou o córrego cheio
d’água, das chuvas caídas na noite anterior. Como era preciso chegar à lagoa, o
menino levou os patos para o córrego e obrigou-os a atravessar o riachinho.
- E então?
- Os patos começaram
nadando, nadando, atravessando o córrego.
- E então?
- Deixe os patos
passarem o córrego...
- E depois?
- Deixe os patos
atravessarem o córrego...
Luís da Câmara Cascudo. Em:
“Literatura oral no Brasil”.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
COCA
RECOCA
Uma vez, um menino
foi passear no mato e apanhou uma coca. Chegando em casa, deu-a de presente à
avó, que a preparou e comeu. Mas o menino sentiu fome, e depois voltou para
buscar a coca, cantando:
Minha avó, me dê
minha coca,
Coca que o mato me
deu.
Minha avó comeu minha
coca,
Coca recoca que o
mato me deu.
A avó, que já havia
comido a coca, deu-lhe um pouco de angu. O menino ficou com raiva, jogou o angu
na parede e saiu. Mais tarde, arrependeu-se e voltou, cantando:
Parede, me dê meu
angu,
Angu que minha avó me
deu
Minha avó comeu minha
coca,
Coca, recoca que o
mato me deu.
A parede, não tendo
mais o angu, deu-lhe um pedaço de sabão. O menino andou, andou, encontrou uma
lavadeira, lavando roupa sem sabão e disse-lhe: você lavando sem sabão,
lavadeira? Tome este para você. Dias depois, vendo que sua roupa estava suja,
voltou para tomar o sabão, cantando:
Lavadeira, me dê meu
sabão,
Sabão que a parede me
deu,
Parede comeu meu
angu,
Angu que minha avó me
deu.
Minha avó comeu minha
coca.
Coca, recoca que o
mato me deu.
A lavadeira já havia
gasto o sabão: deu-lhe, então, uma navalha. Adiante encontrou um cesteiro
cortando o cipó com os dentes. Então disse-lhe: você cortando cipó com os
dentes!... tome esta navalha. O cesteiro ficou muito contente e aceitou a
navalha. No dia seguinte, sentindo o menino a barba grande, arrependeu-se de
ter dado a navalha (ele sempre se arrependia de dar as coisas) e voltou para
buscá-la, cantando:
Cesteiro, me dê minha
navalha,
Navalha que lavadeira
me deu.
Lavadeira gastou meu
sabão,
Sabão que parede me
deu.
Parede comeu meu angu
Angu que minha avó me
deu.
Minha avó comeu minha
coca.
Coca, recoca que o
mato me deu.
O cesteiro, tendo
quebrado a navalha, deu-lhe, um cesto. Recebeu o cesto e saiu, dizendo consigo:
Que vou fazer com este cesto? No caminho, encontrando um padeiro fazendo pão e
colocando-o no chão, deu-lhe o cesto. Mais tarde, precisou do cesto e voltou
para buscá-lo, com a mesma cantiga:
Padeiro, me dê meu
cesto,
Cesto que o cesteiro
me deu.
O cesteiro quebrou
minha navalha,
Navalha que a
lavadeira me deu...
O padeiro, que tinha
vendido o pão com o cesto, deu-lhe um pão. Saiu o menino com o pão e, depois de
muito andar, não estando com fome, deu o pão a uma moça, muito pobre. Depois,
sentindo fome, voltou para pedir o pão à moça e cantou:
Moça, me dê meu pão,
Pão que o padeiro me
deu.
O padeiro vendeu meu
cesto
Cesto que o cesteiro
me deu...
A moça havia comido o
pão; não tendo outra coisa para lhe dar, deu-lhe uma viola. O menino ficou
contentíssimo; subiu com a viola numa árvore e pôs-se a cantar:
De uma coca fiz angu,
De angu fiz sabão,
De sabão fiz uma
navalha,
De uma navalha fiz um
cesto,
De um cesto fiz um
pão D
e um pão fiz uma
viola,
Dingue lindingue que
eu vou para Angola,
Dingue lindingue que
eu vou para Angola.
Reconto de Bia Bedran
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
...QUE
EU VOU PARA ANGOLA...
De vez em quando eu
escrevo umas histórias que eu invento e digo que foi meu avô que me contou. Eu
faço isso porque as pessoas gostam muito dessas histórias antigas, que folclore
hoje em dia é a última moda.
Mas essa história, no
duro, no duro que foi o meu avô que me contou. Você vai lendo e vai imaginando
meu avô, um velhinho careca, baixinho, e muito divertido. Ele contava as
histórias fazendo as vozes das personagens, cantando em algumas partes e
dançando nas outras...
Era um dia um macaco.
Safado e
sem-vergonha...
E meio maluco também.
Vai que ele um dia
foi à casa do barbeiro e pediu:
- Ó seu barbeiro,
corte meu rabo fora.
O barbeiro ficou
espantado:
- Cortar o seu rabo?
Mas que ideia!
Mas tanto o macaco
chateou o barbeiro que o barbeiro cortou o rabo do macaco fora.
O macaco foi-se
embora.
Daí uns dias o macaco
voltou:
- Seu barbeiro, quero
o meu rabo de volta.
- E eu sei do seu
rabo, seu macaco maluco? Eu joguei no lixo!
- Ah, não quero nem
saber – o macaco disse. – Quero porque quero o meu rabo.
E o macaco fez
tamanho escândalo, que o barbeiro já não sabia o que fazer.
Então o macaco disse:
- Então me dê uma
navalha.
O barbeiro, que já
estava muito cansado de aguentar o berreiro do macaco, deu a ele uma navalha.
E o macaco foi-se
embora, feliz da vida...
Vai que o macaco
passou num lugar onde tinha um velho fazendo cestos. E o velho cortava o vime
com os dentes porque não tinha faca.
O macaco foi chegando
e foi perguntando:
- Não era bom se você
tivesse uma navalha pra cortar o vime?
- É claro que era,
seu macaco!
- Pois pode ficar com
a minha navalha.
O velho ficou
contente e o macaco foi-se embora.
Daí uns tempos o
macaco voltou:
- Ó velho, cadê a
minha navalha?
- Sua navalha? Sua
navalha ficou velha, cheia de dentes, eu joguei fora.
- Ah, não sei de
nada! Quero minha navalha de volta!
- Mas, seu macaco, eu
não tenho mais a sua navalha!
- Pois então eu vou
levar um cesto!
E o macaco agarrou um
cesto e foi-se embora, feliz da vida.
Então ele passou por
uma padaria.
E a velha, dona da
padaria, estava tirando os pães do forno e botando na saia, que ela segurava
como se fosse um cesto.
O
macaco ficou olhando, muito enxerido.
EQUIPE DE LEITURA – SME/D.C.
- Nunca viu? – a
velha perguntou.
- Nunca vi, não,
aparar os pães na saia. Por que é que a senhora não fica com o meu cesto?
A velha ficou
contente e o macaco foi-se embora.
E já se sabe!
Passou-se muito tempo
e lá veio o macaco:
- Ó mulher, cadê o
meu cesto?
- Seu cesto, macaco?
Pois seu cesto furou, estragou. Tive de jogar no lixo!
- Ah, não sei de
nada! Eu quero o meu cesto!
E tanto o macaco
gritou que a velha, no lugar do cesto, deu a ele um pão.
O macaco foi embora,
com o pão debaixo do braço, como se fosse um francês.
Então ele passou num
colégio onde estava todo mundo brigando.
O macaco perguntou
por quê.
Disseram a ele que
não tinha comida pra todo mundo, por isso todo mundo estava zangado.
O macaco foi e deu o
pão pra todo mundo dividir.
Todo mundo ficou
contente e o macaco foi-se embora.
Daí uns dias quem foi
que apareceu no colégio? Pois foi o macaco.
- Cadê meu pão?
- Seu pão, seu
macaco? Pois a gente comeu, não era pra comer?
- Não sei de nada –
disse o macaco. – Eu quero meu pão.
- Mas, seu macaco...
- Nem macaco, nem
meio macaco! Quero meu pão! E o macaco gritou, berrou e quando viu que não ia
ser atendido pegou uma moça e saiu correndo.
Ele ia passando num
lugar que tinha um moço tocando uma viola.
E o moço, quando viu
a moça, ficou logo interessado. E a moça, quando viu o moço, ficou toda
assanhada. Então o moço disse:
- Ó seu macaco, me dê
a moça que eu lhe dou a minha viola.
O macaco apanhou a
viola e saiu cantando:
Do meu rabo fiz uma
navalha,
Da minha navalha eu
fiz um cesto,
Do meu cesto eu fiz
um pão,
Do meu pão eu fiz uma
moça,
Da minha moça eu fiz
uma viola...
Trá, lá, lá, lá, lá
Que eu vou pra
Angola...
Trá, lá, lá, lá, lá
Que eu vou pra
Angola...
Agora ninguém me
pergunte qual é a mensagem desta história.
Eu sei lá...
Ruth Rocha. Em:
“...Que eu vou para Angola...”.
Outras
sugestões de contos acumulativos: “Ah!Cambaxirra se eu pudesse” (Ana Maria
Machado), “A casa que Pedro fez” (reconto de Bia Bedran) e “Uma história sem
fim” (reconto de Bia Bedran).